Desafio e reação
Merval Pereira
O Globo - 25/11/2010
O que está acontecendo no Rio nos últimos dias é simplesmente terrorismo e, como tal, deve ser combatido com a participação das Forças Armadas. Mas não como responsáveis pelas operações, mas sim assumindo suas funções naturais. O economista Sérgio Besserman, que foi um dos estrategistas da política de retomada dos territórios ocupados pelos bandidos no Rio, lembra que terrorismo é uma questão de segurança nacional e, portanto, mesmo sem alterar a Constituição já caiu o anteparo constitucional que sempre foi usado para evitar que as Forças Armadas se envolvessem nessa questão de segurança criminal.
O professor de História Contemporânea da UFRJ Francisco Carlos Teixeira considera um equívoco pensar que só é terrorismo aquilo que parte de grupos políticos, com um programa político, e objetivos bem estabelecidos, como libertação de um território, ou luta contra um regime.
“Terrorismo é um método de ação, não um objetivo”, ressalta Teixeira. Quando uma pessoa ou um grupo organizado usa da violência, em especial contra a população civil ou autoridades constituídas num estado de direito, é terrorismo”.
Já Besserman lembra que terrorismo não luta para ganhar a guerra, mas para ganhar a comunicação, que no caso do Rio é instalar o pânico na população, sugerir que são capazes de impor elevados custos a todo o estado, de modo a forçar algum tipo de acordo, ou explícito, ou tácito.
“E o que cabe às forças de segurança do estado, mas não apenas a elas, mas também, à União e à sociedade civil, é uma reação de não aceitar o jogo deles”, salienta Besserman, considerando que a Secretaria de Segurança vai fazer agora um trabalho de inteligência, para demonstrar aos traficantes que o custo da ação terrorista é muito superior ao ocasional ganho que eles possam ter.
Para o professor Francisco Carlos Teixeira, malgrado o princípio correto praticado pelo governo estadual de restabelecer o controle territorial, com a extensão da soberania do estado de direito, uma política pública aprovada pela maioria esmagadora da população, o grande erro é não dar a dimensão política adequada ao combate ao narcotráfico.
“Não se trata apenas de pedir ou não ajuda federal. A ação federal deve, precisa, ser constante com ou sem pedidos formais”, diz ele.
Não se trataria de uma intervenção, mas de exigir que a Receita Federal, a Polícia Federal e as Forças Armadas cumprissem com mais rigor e eficiência suas funções.
“Não quero dizer que são ineficientes ou incompetentes”, esclarece Teixeira, para quem “simplesmente o governo federal não deu a prioridade que o caso necessita”.
Estas instituições — típicas do estado moderno e expressão de sua soberania — não foram chamadas e equipadas para a uma luta direta contra o narcotráfico.
Teixeira ressalta que também por seus métodos (bombas, incêndios em carros, uso de armas de grosso calibre, chegando a atacar veículos das Forças Armadas ou a derrubar helicópteros da polícia) reconhecemos um desafio direto ao estado de direito e, aí, a coisa é política.
“Desafiar o estado em duas de suas condições de estado moderno: o monopólio da violência organizada e o acesso ao território, colocando graves problemas de exercício da soberania, é um fato político”, afirma Teixeira.
O economista Sérgio Besserman chama a atenção para o fato de que esse não é um problema apenas nosso, mas global.
O exemplo do México é o mais claro de todos. Na sua análise, o tráfico de drogas passou a ser um grande negócio global, a oferta de armas muito sofisticadas aumentou, elas ficaram muito mais baratas.
E a existência de muitos conflitos locais por todo o planeta faz com que exista uma enorme oferta de armas de segunda mão.
“Tornou-se possível a quem queira confrontar o monopólio da força por parte do estado se armar”.
Para Francisco Carlos Teixeira, envolver as Forças Armadas é um erro. Ele chama a atenção para o que está acontecendo no México, onde cerca de 50 mil homens das Forças Armadas lutam há quatro anos contra sete cartéis de drogas, já com 28 mil mortos, desde dezembro de 2006, a maioria civis inocentes.
O que ocorreu lá? Ineficiência e, claro, a inadequação de função, ao lado da intrusão da corrupção e do suborno nas Forças Armadas, e forte choque entre autoridades civis e militares, inclusive no controle do espaço público”.
Segundo Teixeira, o Estado deve tomar as decisões necessárias com suas instituições republicanas, e todos já sabemos quais são estas ações: ao lado de um projeto correto e apoiado pela população precisamos que: (a) a Receita Federal controle o fluxo anormal de recursos, a lavagem de dinheiro e as operações fronteiriças; (b) a PF interrompa a entrada de armas e de drogas; (c) as Forças Armadas tenham meios materiais para o efetivo controle das fronteiras, de forma organizada, permanente e com modernos recursos tecnológicos.
Além disso, as Forças Armadas podem trabalhar na formação de pessoal em logística, inteligência, preparação de ações contra motins e demonstração e treinamento de armas e, principalmente, armamento não letal. Segundo ele o equipamento da nossa PM é ainda muito ruim, com grave deficit de material de defesa pessoal.
O professor Francisco Carlos Teixeira dá um depoimento pessoal: “Eu próprio vi, em Rondônia, a ação exemplar do Exército no controle do fluxo de drogas na fronteira (e do desmatamento). Mas, a piada é que tais ações possuem calendário, posto que o diesel distribuído é insuficiente para patrulhas diárias durante 30 dias do mês. Assim, os bandidos ( traficantes e desmatadores ) esperam dia 15 ou 18 de cada mês para reiniciar suas operações, quando já sabem que o diesel acabou”.
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