Os passos miúdos da dança global
Washington Novaes
O Estado de S. Paulo - 01/10/2010
Durante a Rio 92 - que levou à aprovação das Convenções do Clima e da Diversidade Biológica - o secretário-geral do encontro, Maurice Strong, foi dramático: disse que era a última oportunidade de os governos encaminharem soluções para os gravíssimos problemas naquelas duas áreas e para a questão da miséria no mundo. Por isso, além de criarem as duas convenções, os chefes de Estado aprovaram a Agenda 21 Global. E ela fornecia um roteiro para enfrentar os dramas do subdesenvolvimento e da pobreza. Incluía a decisão de os países industrializados aumentarem de 0,36% para 0,70% de seu produto interno bruto (PIB) a contribuição anual para os países mais pobres. Com isso, doariam US$ 120 bilhões anuais, a que se somariam US$ 480 bilhões em recursos dos países receptores. E com US$ 600 bilhões anuais seria possível avançar em todas as áreas.
Só a Suécia cumpriu a sua parte. Os demais países industrializados reduziram porcentualmente sua contribuição média para uns 0,3% do PIB anual. E passadas duas décadas, ao fazer a avaliação dos Objetivos do Milênio, diz a ONU que, embora tenha havido progresso, é "um escândalo" que 952 milhões de pessoas no mundo continuem a enfrentar a miséria e que morra uma criança a cada oito segundos por problemas relacionados com a desnutrição. Um quadro ainda tão grave que levou o presidente da França, Nicolas Sarkozy, a ressuscitar outra proposta da década de 90, do economista James Tobin, que sugeria criar uma taxa mundial sobre transações financeiras e destinar o resultado ao combate à pobreza. Porque esta ainda atinge 19% da população mundial, segundo a ONU; 1 bilhão de pessoas vive com menos de US$ 1,25 (pouco mais de R$ 2,10) por dia.
Mesmo nos Estados Unidos, onde a crise econômica eliminou 5 milhões de empregos (a taxa de desemprego está em 14,3%), há 43,6 milhões de pobres, considerado o padrão de lá, que classifica como pobre quem tenha renda anual bruta de até US$ 10.830 (uns R$ 18,5 mil, pouco mais de R$ 1.500 mensais, mais do que a renda média de quem trabalha no Brasil, quase três salários mínimos nossos). Por aqui, a renda média do trabalho chegou a R$ 1.472. Ainda temos 28,8% dos que trabalham recebendo até meio salário mínimo mensal - sem considerar as graves condições de moradia e saneamento dos lugares que habitam.
Sobre a situação da biodiversidade no mundo e no País duas décadas depois, este espaço já foi ocupado na semana passada com números estarrecedores. E quanto ao clima, avança-se para a reunião da convenção, daqui a poucas semanas, no México, sem vislumbrar acordo algum. Numa reunião preliminar de 17 países, em Nova York, o delegado norte-americano, Todd Stern, foi claro: sem a adesão da China, da Índia e de outros países "em desenvolvimento" (o Brasil incluído), não haverá, nem em Cancún nem depois, nenhum acordo "vinculante", que obrigue as nações a reduzir suas emissões de poluentes. Já o delegado russo deixou claro que, se Estados Unidos e China não aderirem a uma nova etapa do Protocolo de Kyoto, este expirará.
Nos mesmos dias, numa reunião da Clinton Global Initiative - que tenta romper impasses nessa área -, a nova secretária da Convenção do Clima, a costa-riquenha Christiana Figueres, foi surpreendentemente direta. As negociações não avançam por dois motivos, disse ela: 1) Tensões e desacordos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento; e 2) "business" (UN Dispatch, 22/9). O "business" porque fica à espera de que os governos criem marcos regulatórios. E os governos, "enquanto olham nervosos para os próprios pés, dizem que o business não os está pressionando. É uma espécie de dança, em que cada um diz: "Você primeiro! Você primeiro!"" Na opinião dela, as áreas de negócios deveriam assumir a iniciativa e a liderança, porque têm muito a perder.
Não é muito diferente em qualquer lugar, inclusive no Brasil. Em meio ao fogo que tomou conta de metade do País, em meio à estiagem que secou rios na Amazônia, em meio à perda de parte das colheitas, continua-se a olhar passivamente o panorama. No lançamento de um programa de emergência para o fogo no Cerrado, na presença do presidente da República e da ministra do Meio Ambiente, por três vezes faltou energia no recinto, com os incêndios no Cerrado do Distrito Federal interferindo nas linhas de transmissão. Enquanto isso, dizia o boletim do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) (23/9) que desmatamentos e queimadas causam 75% das emissões de carbono no País. Que os problemas nessa área poderão levar a perdas consideráveis no produto bruto nacional. E que o aquecimento global "poderá elevar a temperatura no Norte e Nordeste até 8 graus, em consequência do desmatamento da floresta amazônica".
Há quem esteja perdendo a esperança. Um deles é o famoso cientista James Lovelock, autor da "Teoria de Gaia". Há algum tempo, afirmou ele que não haveria tempo para esperar que acordos entre países levassem a uma redução de emissões, dada a gravidade da situação. Por isso, ele, que durante décadas se opusera à utilização da energia nuclear, passou a defendê-la, por não emitir poluentes que se concentram na atmosfera e por entender que o problema de resíduos por ela gerados é menor. Os resíduos de uma usina cabem num pequeno veículo, passou a dizer.
Agora, Lovelock vai, perigosamente, ainda mais fundo. Como cita o ex-secretário do Meio Ambiente do Espírito Santo Luiz Prado (Portal do Meio Ambiente, 18/9), Lovelock agora diz: "Eu tenho a sensação de que mudanças climáticas são um evento tão grave quanto uma guerra; talvez seja necessário suspender a democracia por algum tempo."
Certamente não é o caso de concordar. Mas é preciso ter urgência, antes que a tese ganhe muitos defensores. Nunca faltam partidários da força.
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