Um canal transformador
Marcel Fukayama
VALOR ECONÔMICO - 01/10/10
O Brasil possui mais de 100 mil centros públicos de acesso pago à internet, também conhecidos como lan houses. É um fenômeno iniciado no final da década de 90 em bairros nobres da capital paulista e que hoje se estende desde as periferias dos grandes centros urbanos até regiões isoladas com carência básica de infraestrutura, correspondendo a 45% do acesso à internet no país e conectando 30 milhões de brasileiros predominantemente de comunidades de baixa renda.
O modelo de negócio surgiu do outro lado do mundo, mais precisamente na Coreia do Sul, um dos países mais conectados atualmente. Os PC Bangs, como são conhecidas as lan houses por lá, fizeram parte do programa de investimentos do governo, que em 1995 lançou um plano para conectar a população, semelhante ao Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), ainda em fase de amadurecimento no Brasil. Fortemente impactada pela crise dos tigres asiáticos em 1997, a Coreia apoiou o desenvolvimento desses empreendimentos como uma das saídas para massificar a internet de alta velocidade.
Hoje, além de ter um dos maiores índices de cidadãos conectados no mundo, a Coreia do Sul gerou uma indústria de entretenimento digital que tem nas lan houses pontos de encontros e disputas, e inovou ao profissionalizar os "gamers". Lembra, em muito, o início do setor no Brasil, quando os "games" eram a principal atração do público desses estabelecimentos. Porém, ao contrário da Coreia do Sul, houve poucos e concentrados investimentos por parte do governo brasileiro e da indústria na conectividade e, desse modo, as lan houses têm desempenhado um papel fundamental na inclusão digital no Brasil.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil tem mais de 19 milhões de microempreendedores, sendo que 60% o são por vocação e não apenas por necessidade. Em geral, as lan houses são estabelecimentos criados e gerenciados por microempreendedores comunitários, líderes e referências nas comunidades onde atuam, prestando um serviço público de valor e alto impacto.
Tirando uma radiografia do setor no país, pode-se destacar alguns desafios a serem superados. O alto índice de informalidade exclui esses microempreendimentos de uma série de possibilidades de expansão e amadurecimento de seus negócios. A pouca educação desses estabelecimentos se traduz em um modelo de gestão ineficiente e quase amador, o que aumenta o risco da sustentabilidade financeira dos mesmos pela limitação do portfólio de serviços. Além disso, existe uma imagem rotulada de casas de jogos eletrônicos e pontos de crimes na internet.
Uma iniciativa do Comitê para Democratização da Informática (CDI), organização social pioneira na área de inclusão digital na América Latina, tem as lan houses como canal de atuação. O CDI Lan, criado há um ano, já conta com mais de 2.800 estabelecimentos afiliados com base em um código de conduta, e tem como visão transformar os integrantes deste setor em centros de distribuição de produtos e serviços para a base da pirâmide, com foco em educação e microfinanças.
Por meio do ensino à distância, o Brasil tem a chance de democratizar o acesso a um conteúdo de alta qualidade e possibilitar, além da transformação de regiões hoje carentes de investimentos em educação básica e média, a disponibilização das mesmas ferramentas encontradas em escolas de alto nível.
É possível ver laboratórios de informática fechados em muitas escolas. Para algumas instituições de ensino, o ambiente é perigoso para os alunos e há riscos de danificar os equipamentos. A internet e a tecnologia revolucionaram o mundo, a comunicação e as formas de aprendizado e devem mudar o modo como a educação é realizada. As lan houses, portanto, devem ser uma extensão das escolas e podem atuar como ponto de encontro e estudo, uma espécie de centro de acesso a conteúdos que, em vias tradicionais, seriam limitados às classes mais favorecidas.
Apesar de ter um dos sistemas bancários mais sofisticados do mundo, o Brasil ainda tem milhões de cidadãos excluídos dessa realidade ou com atendimento precário em milhares de municípios. Considerando a penetração e vocação das lan houses, esses estabelecimentos podem ser uma tecnologia social para inclusão financeira e, como correspondentes bancários, apoiar a operação nas comunidades aonde atuam, auxiliando por exemplo na concessão de microcrédito, crédito consignado, abertura e movimentação de contas correntes etc.
Outra iniciativa de valor para o canal é realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Com o objetivo de descentralizar o atendimento, a organização tem como meta tornar 400 lan houses em Pontos de Acesso Sebrae. Para isso, através de um social game - o Desafio Lan Sebrae -, atividades de capacitação e formalização devem ser cumpridas pelo microempreendedor. Uma vez certificada, a lan house está apta a disponibilizar seu espaço para atendimentos online do Sebrae à comunidade e, com isso, atuar como um agente de transformação e multiplicador.
Desse modo, pode-se compreender o futuro do setor de uma maneira mais ampla do que a atual, que é subexplorada e se limita ao acesso à internet. O canal já tem uma intimidade única com a base da pirâmide e, além de ter seu uso potencializado, está vocacionado a ser um centro de distribuição de produtos e serviços sociais, podendo ser aliado às ferramentas de mídias sociais, um meio de mobilização de alto impacto e escala.
Marcel Fukayama é "chief operating officer" (COO) do CDI Lan, iniciativa do Comitê para Democratização da Informática (CDI) para lan houses.
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