Rombuda chulice
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 20/09/10
RIO DE JANEIRO - Na sexta-feira, o presidente Lula afirmou ao iG que não permitirá que "façam sacanagem com Dilma". Queria dizer, talvez, que não permitirá que as trapalhadas da ex-ministra Erenice Guerra, omitindo informações e favorecendo parentes em transações obscuras, sofram exploração eleitoral de modo a prejudicar sua candidata à Presidência, Dilma Rousseff, ex-chefa de Erenice.
Em sua simplicidade linguística, Lula não deve saber que, por maior o relaxamento da língua e dos costumes, "sacanagem" é uma rombuda chulice, imprópria na boca de um presidente da República. Até os anos 70, "fazer sacanagem" significava... "fazer sacanagem". Não era uma expressão aceitável sequer em jornal -nem o "Pasquim" a usava-, quanto mais na presença de senhoras. Exceto, claro, em situações de extrema intimidade com as ditas senhoras.
Tudo bem, a língua acompanha os costumes e, com o tempo, as palavras perdem ou ganham conteúdos. Na primeira metade do século 20, não se chamava ninguém de "chato", mesmo que o alguém em questão fosse chatérrimo e usasse galocha. Chato era apenas aquele piolho chegado às virilhas. Um sujeito chato era um sujeito "cacete", veja só, e nenhuma mulher se ruborizava ao ouvir esta palavra.
"Sacanagem" foi uma das últimas expressões do chulo a ganhar ingresso na língua de salão. Hoje, seu sentido original só conserva um certo eco para os maiores de 60 ou 70 anos. Mas, até em consideração a estes, deveria continuar interditado em alguns círculos. Não é algo que um presidente devesse dizer ao microfone, ainda mais para se referir a uma mulher. Revela grossura. Mas, se há uma coisa pela qual Lula nunca quis se passar foi fino, não?
A "sacanagem" com Dilma já foi feita - por sua auxiliar de confiança, Erenice Guerra. Ou, então, a sacanagem está em ter se deixado apanhar.
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