Afronta a direitos
LEONARDO PIETRO ANTONELLI
O GLOBO - 19/09/10
A nova Lei Complementar 135, chamada Lei Ficha Limpa, aplica-se aos candidatos que tenham sido condenados por órgãos colegiados mesmo antes de a norma entrar em vigor.
Foi o que decidiu, por cinco votos a dois, o plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além disso, prevê a inelegibilidade daqueles que tenham contra si determinadas condenações, e não apenas na seara criminal, desde que proferidas por órgão judicial colegiado e independentemente de trânsito em julgado.
A ideia central consiste no fato de que, diante de uma decisão qualificada, emanada de um coletivo de juízes, já não se poderia invocar, na plenitude, a presunção de inocência. Eis o ponto controvertido que deságua imediatamente nos tribunais, por força do início do julgamento de diversas impugnações aos registros de candidaturas de chamados “fichas-sujas”.
Editada com amplo respaldo da opinião pública, até porque resulta de projeto de lei de iniciativa popular com mais de dois milhões de assinaturas, e maciço apoio dos meios de comunicação, traduziu-se num exemplo inimaginável na história política brasileira. Uma verdadeira mudança de paradigma, que levou o Congresso Nacional, às vésperas de uma eleição, a “cortar na própria carne”.
A referida lei não deveria abranger os casos anteriores à sua edição, pois a aplicação das sanções de inelegibilidade a fatos ocorridos antes de sua vigência fere o princípio da segurança jurídica. Por sua vez, o trânsito em julgado, ou seja, a decisão irrecorrível, é de extrema relevância para preservar a segurança jurídica do cidadão, pois a Constituição prevê que ninguém será considerado culpado até que o processo passe por todas as instâncias da Justiça.
A Lei Ficha Limpa ocasiona, ainda, a inevitável violação do princípio de que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, conforme o Art. 5o inciso XXXIX, da Constituição Federal. Assim, os condenados, mesmo por órgãos colegiados (como determina o texto legal), não poderiam sofrer as penalidades por crimes ou supostos crimes cometidos antes de sancionada a lei.
A maioria dos cidadãos não vislumbra, muitas das vezes, os efeitos e as consequências dessa lei. Resta-lhes um ilusório conforto, na ideia de que estão, por um lado, sendo resguardados, quando, na verdade, por outro lado, estão sendo afrontados nos seus direitos e garantias fundamentais individuais, previstos na Constituição. Cabe ao operador do Direito, ao jurista e, sobretudo, ao advogado identificar e apontar o conflito e as impropriedades.
O Supremo Tribunal Federal, que julgará a constitucionalidade da lei, reconhece que um terço das condenações colegiadas é, por ele, invertido em absolvições. Nesse contexto, o resultado que se afigura mais justo, e adstrito aos limites impostos pela ordem jurídica, é a aplicação da posição majoritária do STF, dando maior peso ao princípio da presunção de inocência, que tem por corolário a segurança jurídica, inegavelmente valor constitucional a ser preservado, de modo a somente admitir qualquer imposição de restrição civil, criminal ou eleitoral quando se esgotem todos os tipos de recursos admitidos pela lei.
LEONARDO PIETRO ANTONELLI é advogado e vicediretor da Escola Judiciária Eleitoral do Rio de Janeiro.
Foi o que decidiu, por cinco votos a dois, o plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além disso, prevê a inelegibilidade daqueles que tenham contra si determinadas condenações, e não apenas na seara criminal, desde que proferidas por órgão judicial colegiado e independentemente de trânsito em julgado.
A ideia central consiste no fato de que, diante de uma decisão qualificada, emanada de um coletivo de juízes, já não se poderia invocar, na plenitude, a presunção de inocência. Eis o ponto controvertido que deságua imediatamente nos tribunais, por força do início do julgamento de diversas impugnações aos registros de candidaturas de chamados “fichas-sujas”.
Editada com amplo respaldo da opinião pública, até porque resulta de projeto de lei de iniciativa popular com mais de dois milhões de assinaturas, e maciço apoio dos meios de comunicação, traduziu-se num exemplo inimaginável na história política brasileira. Uma verdadeira mudança de paradigma, que levou o Congresso Nacional, às vésperas de uma eleição, a “cortar na própria carne”.
A referida lei não deveria abranger os casos anteriores à sua edição, pois a aplicação das sanções de inelegibilidade a fatos ocorridos antes de sua vigência fere o princípio da segurança jurídica. Por sua vez, o trânsito em julgado, ou seja, a decisão irrecorrível, é de extrema relevância para preservar a segurança jurídica do cidadão, pois a Constituição prevê que ninguém será considerado culpado até que o processo passe por todas as instâncias da Justiça.
A Lei Ficha Limpa ocasiona, ainda, a inevitável violação do princípio de que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, conforme o Art. 5o inciso XXXIX, da Constituição Federal. Assim, os condenados, mesmo por órgãos colegiados (como determina o texto legal), não poderiam sofrer as penalidades por crimes ou supostos crimes cometidos antes de sancionada a lei.
A maioria dos cidadãos não vislumbra, muitas das vezes, os efeitos e as consequências dessa lei. Resta-lhes um ilusório conforto, na ideia de que estão, por um lado, sendo resguardados, quando, na verdade, por outro lado, estão sendo afrontados nos seus direitos e garantias fundamentais individuais, previstos na Constituição. Cabe ao operador do Direito, ao jurista e, sobretudo, ao advogado identificar e apontar o conflito e as impropriedades.
O Supremo Tribunal Federal, que julgará a constitucionalidade da lei, reconhece que um terço das condenações colegiadas é, por ele, invertido em absolvições. Nesse contexto, o resultado que se afigura mais justo, e adstrito aos limites impostos pela ordem jurídica, é a aplicação da posição majoritária do STF, dando maior peso ao princípio da presunção de inocência, que tem por corolário a segurança jurídica, inegavelmente valor constitucional a ser preservado, de modo a somente admitir qualquer imposição de restrição civil, criminal ou eleitoral quando se esgotem todos os tipos de recursos admitidos pela lei.
LEONARDO PIETRO ANTONELLI é advogado e vicediretor da Escola Judiciária Eleitoral do Rio de Janeiro.
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