Estátuas gregas
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/09/10
Pelo vidro do carro, leio o texto no adesivo de um táxi à frente: “Maricota é minha mulher. Maricotinha é minha filha. Maricoteca é minha mãe. Maricão é meu amigo. [Não são os nomes verdadeiros.] Amo minha família. Amo meus amigos. Eles me amam. Amo Deus. Deus me ama”. Meio mareado diante de tanto amor, pergunto: Ótimo, mas, e eu com isso? Salões de beleza abundam hoje em todas as cidades, banhados por uma iluminação que atravessa as vitrines e serve um show ao vivo para a calçada. Lá dentro, expostas à apreciação pública, senhoras de roupão felpudo ostentam papelotes no cabelo e chumaços de algodão entre os dedos dos pés, enquanto outras depilam as canelas ou descolorem os bigodes. Pergunto: Lindo, mas, e eu com isso? Da mesma forma, me contaram que a emergente Fulaninha contratou uma equipe profissional para filmar seu primeiro parto. Apesar de certa dificuldade inicial – a bacia de Fulaninha era muito estreita para a passagem do feto –, Sicraninho nasceu com 4 kg e 50 cm. O filme mostrando tudo isso saiu ótimo. Beltrano, o pai orgulhoso, ficou ao lado da esposa durante o parto. O resultado pode ser conferido no Facebook de Fulaninha, onde o filme foi “postado” no mesmo dia.
Ouço dizer também que as pessoas entregam as maiores intimidades sobre si mesmas nas “redes sociais”. Expõem seus sentimentos mais profundos, publicam suas fotos, revelam seus hobbies ou onde passam as férias, e tudo isso com nome, sobrenome, endereço, saldo bancário. É uma necessidade compulsiva de dividir suas vidas com estranhos. Enfim, o brasileiro adora uma indiscrição. Exceto quando se trata dos candidatos à Presidência. Qualquer denúncia de maracutaia ou ligação espúria é logo tachada de calúnia, exploração eleitoral ou lavagem de roupa suja. De repente, somos todos estátuas gregas.
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