O computador-polvo da Receita de Mauá
Elio Gaspari
O GLOBO 08/09/10
Se todas as instituições funcionarem na velocidade habitual, a quebra do sigilo fiscal do tucanato poderá chegar à primeira condenação (pífia) em 2015, pois esse é o balanço do mensalão de 2005. Ou não irá a lugar algum, como o episódio dos aloprados de 2006. Mesmo com o vigor e a celeridade das instituições americanas, o caso Watergate, ocorrido durante a campanha presidencial de 1972, custou o mandato a Richard Nixon dois anos depois, por ter atrapalhado a investigação.
Só em 1974 um de seus colaboradores foi para trás das grades.
A imprensa expôs o crime, mas a quadrilha foi detonada por um juiz rápido e pelos procuradores, socorridos por 43 jovens advogados, entre eles Hillary Rodham, mais tarde, senhora Clinton.
No dia 30 de setembro do ano passado, com uma procuração falsa, o contador Antonio Carlos Atella obteve na Delegacia da Receita de Santo André cópias das declarações de imposto de renda de Veronica Serra de 2008 e 2009. Descoberto o ilícito, informou que jamais pertenceu a qualquer partido: "Tenho nojo de política." Mentira: era filiado ao PT (de Mauá) desde 20 de outubro de 2003. Segundo uma nota divulgada pelo presidente do PT paulista, Edinho Silva, a filiação de Atella jamais se consumou, porque seu nome fora grafado como "Atelka".
Falso. Com a grafia correta, sua filiação foi registrada na 217ª Zona Eleitoral. Petista, Atella é irmão de petista e cunhado de petista, de uma família de fundadores do partido no município.
Coisa esquisita, daquelas que o MP gosta: oito dias depois da coleta das declarações de Veronica Serra, ocorreu um novo ataque aos seus dados, bem como às contas de cinco grão tucanos e um parente torto de José Serra, na Delegacia de Mauá.
No dia 3 de abril de 2009, o analista tributário Gilberto Souza Amarante, funcionário da Receita Federal em Formiga (MG), entrou na base cadastral de Eduardo Jorge Caldas Pereira. Amarante é filiado ao PT desde 2001. O cadastro só libera informações triviais, como o número do CPF e o telefone da pessoa e Amarante diz que buscava um homônimo.
Esquisito, mas um exame de seu computador poderá esclarecer a dúvida. Se tiver procurado por outros "Eduardo Jorge", pode-se acreditar nele. Senão, não.
Tomando-se por verdadeiras as palavras das funcionárias da Receita cujas senhas e computadores foram usados para quebrar sigilos, aparecem novas esquisitices. Uma deixava a senha sobre a mesa. Outra emprestava-a a uma subordina da. O ataque ao sigilo das contas de Veronica Serra teria ocorrido no seu horário de trabalho. Os outros, enquanto a mesma servidora almoçava com o marido, pelo 15º aniversário de casamento. Nesse computador-polvo da Delegacia de Mauá, entre 1º de agosto e 8 de dezembro de 2009, deram-se 2.949 acessos a dados cadastrais ou sigilosos. De acordo com o regime de trabalho da servidora, seriam dez acessos por hora. Esquisito, mas disseramlhe que o polvo "ligava sozinho".
Durante vinte horas a Receita e o Ministério da Fazenda sustentaram que Veronica Serra assinara uma procuração solicitando a retirada de suas declarações de renda. A informação de que Atella tinha o perfil de um delinquente já estava disponível na burocracia federal.
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