quarta-feira, junho 16, 2010

RUY CASTRO

Mais brasileiros 

Ruy Castro


FOLHA DE SÃO PAULO - 16/06/10


Quando Carmen Miranda chegou a Nova York, em 1939, contratada pelo empresário Lee Shubert, seu inglês mal passava do “I love you” que ela ouvia nos filmes de Joan Crawford a que assistia no Metro Passeio. Era mais do que Carmen precisava para sua estreia na Broadway, na revista musical Streets of Paris, quando se consagrou cantando três números em português e um quarto, 'South American Way', em que o único verso em inglês era o do título.
Verde na América e ainda se atrapalhando com o som do 'th', Carmen pronunciou-o ‘Souse American Way’ – com o que, aos ouvidos da plateia, “à maneira sul-americana”se tornou “à maneira dos americanos bêbados”. A gargalhada retumbou, e a pronúncia estropiada foi incorporada ao espetáculo mesmo depois que Carmen aprendeu a fazer o som direito – por sinal, nada difícil para uma cantora com o seu ouvido.
Nos anos seguintes, Carmen dominou o inglês à perfeição e o falava sem o menor sotaque, exceto nos filmes, em que seus papéis exigiam o jeito ‘latino’ de falar. Era assim também com os franceses do cinema americano, como Charles Boyer, com os mexicanos, como Ricardo Montalban, e com os demais estrangeiros, todos obrigados a forçar um sotaque que há muito haviam perdido. Na Hollywood dos anos 40, só os americanos podiam falar inglês direito.
Mas a prova de que o ‘th’ ainda é espeto para muitos está ressurgindo a toda hora na cobertura da Copa pela TV. É só ouvir alguém tentando pronunciar em inglês o nome do país anfitrião, ‘South Africa’. O resultado é sempre ‘Souse Africa’ – a África de porre.
Este colunista estará ausente pelas próximas três semanas, levando uma exposição sobre Carmen Miranda ao país do qual ela saiu aos dez meses, em 1909 – Portugal –, para nos tornar mais brasileiros com seu jeito de ser e de cantar.

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