Entre o sonho e a realidade
Merval Pereira
O GLOBO - 16/06/10
Ao contrário de Barack Obama nos Estados Unidos, que desafiou o sistema político tradicional por dentro do Partido Democrata e conseguiu vencer a favorita Hillary Clinton, viabilizando uma candidatura com a mobilização do eleitorado, especialmente a juventude, a candidata do Partido Verde à Presidência da República, Marina Silva, teve que sair do governo e do PT para viabilizar sua candidatura.
Com uma estrutura partidária incipiente, pouquíssimo tempo de propaganda na televisão e uma plataforma eleitoral que vende sonhos que alcançam uma parcela limitada de eleitores, enquanto a grande massa está anestesiada por políticas assistencialistas e uma sensação de bem-estar que, embora real, não tem bases estruturais que garantam sua permanência, ela tenta ser uma alternativa viável à polarização entre PT e PSDB.
Quando não se concorda com ela, é difícil criticá-la, tanto pela maneira suave, mas firme, com que defende suas ideias, como pela inequívoca seriedade com que as expõe. Suas teorias são ótimas, mas nada indica que sejam viáveis.
A ex-senadora Marina Silva se propõe a fazer política com transparência, pensando mais em um projeto de futuro para o país do que em manter o poder político à custa da estagnação dos avanços institucionais, que é o que detecta no nosso momento político.
Ela admite que as reformas necessárias para um avanço estrutural — da Previdência, tributária, trabalhista, política — são de difícil consecução, e se dispõe a viabilizar uma Constituinte para tratar desses temas espinhosos.
Com essa decisão, se exime, pelo menos neste momento da campanha, de explicitar quais são seus pontos de vista sobre cada um desses assuntos.
Mas convocar uma Constituinte, sem dar a ela parâmetros, pode resultar em uma falsa solução, com todos os movimentos sociais e lobbies interferindo no resultado final, sem que se chegue a um consenso.
Aliás, sempre que o assunto é polêmico, Marina Silva encontra no plebiscito uma saída.
Sobre o aborto, reafirmou que é contrária, mas defendeu um plebiscito sobre o tema, assim como sobre a descriminação do uso de drogas.
Mas voltou a reafirmar que é contrária ao casamento de homossexuais, apesar de reconhecer o direito deles de ter “uma união civil de bens”.
Mesmo quando lida com dificuldades de sua biografia recente, como a demora para deixar o PT diante de escândalos como os do mensalão em 2005, Marina encontra uma maneira de se explicar sem os subterfúgios tradicionais dos políticos profissionais.
As questões éticas a abalaram, mas é sincera ao admitir que não foram preponderantes na sua decisão de sair do partido, pois acredita que elas existam em todos os partidos.
Poderia permanecer no PT lutando por dentro para tentar corrigir essas falhas. “Inclusive no meu partido, o Partido Verde (PV), eu tenho que lutar dentro dele para combater os problemas éticos, porque nenhum partido é perfeito. Eu mesma não sou perfeita”, comentou a certa altura do programa “Roda Viva” de segunda-feira.
O que a convenceu a deixar o PT, depois de 30 anos de militância, foi a convicção de que não conseguira que a questão do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável fosse central para o partido e o governo.
Mas admitiu que o rompimento demorou, e comparou o processo ao fim de um casamento longevo, sem esconder a dificuldade que teve.
Sobre política de energia, aliás, ela vê falta de planejamento tanto no atual governo quanto no anterior, de Fernando Henrique, embora admita que houve avanço na área energética, após a criação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
“Tivemos ameaça de apagão no governo do presidente Fernando Henrique.
No governo do presidente Lula, a gente sofre o tempo todo essa ameaça de apagão.
Isso tem um nome: falta de planejamento”, afirmou, numa crítica que atinge diretamente sua adversária Dilma Rousseff.
Ela também foi claramente contra a utilização da energia nuclear: “É uma fonte insegura e cara”.
Uma de suas utopias é governar com uma maioria no Congresso que una o PT e o PSDB e setores de outros partidos, até mesmo o PMDB, para tentar fugir do fisiologismo que tornou seus antecessores reféns de uma política “pragmática” e não “programática”, como deveria ser.
Ela quer preparar o país do futuro, mantendo os avanços alcançados nos governos Fernando Henrique e Lula. Ela quer discutir uma visão que antecipe os desafios do futuro, e é muito objetiva nesse aspecto: se o país não se preparar com pesquisas tecnológicas e a melhora da qualidade do ensino, não conseguirá assumir o papel que pode vir a ter num mundo multipolar em transformação.
Mas não consegue convencer da viabilidade de seu projeto, nem parece ter a força necessária para promover uma mobilização social que amplie seu eleitorado para além dos 10%, 12% com que aparece nas pesquisas.
Está literalmente emparedada por um sistema político que privilegia o assistencialismo e o fisiologismo, sem conseguir angariar apoios políticos que lhe permitam ampliar sua audiência.
A tentativa de sua equipe está em repercutir suas ideias através dos novos meios tecnológicos da internet: blogs, Twitter e sites de relacionamento social, como o Orkut e o Facebook.
Tudo na esperança de transformar os sonhos de Marina em uma onda junto aos jovens eleitores que possa ser amplificada para outros setores da sociedade
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