Nó antigo
MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 10/06/10
Um cargueiro leva quatro horas para trazer peças e componentes dos EUA para o Brasil. No aeroporto de Manaus, a carga fica parada no pátio por nove dias por falta de infraestrutura. As empresas da Zona Franca trabalham em três turnos, mas a produção atrasa porque os componentes importados não chegam a tempo. No Rio, alguns consumidores não encontram celulares e televisores nas prateleiras.
Esse caso acima mostra na prática como a falta de investimento impede o crescimento do país. O diretorexecutivo da Fieam (Federação das Indústrias do Amazonas), Flávio Dutra, diz que as indústrias da Zona Franca não estão conseguindo atender aos prazos de entrega dos produtos, mesmo trabalhando em ritmo frenético. Os componentes importados não chegam nos prazos previstos porque o aeroporto não suporta o fluxo de cargas, que cresceu com o aquecimento da economia.
— O aeroporto de Manaus é um dos piores do país. Os investimentos feitos não foram suficientes ou não saíram do papel. A burocracia também é grande.
O aeroporto não foi capaz de atender ao fluxo gerado pelo pico de crescimento do PIB e pela demanda maior por eletroeletrônicos do período pré-Copa do Mundo — afirmou Dutra.
Ontem, a melhor notícia do crescimento recorde do PIB no primeiro trimestre foi justamente o aumento do investimento: alta de 26% na comparação com o mesmo período de 2009 e de 7,4% sobre o trimestre anterior. Mas a taxa investimento/PIB ainda é muito baixa: 18%. Países que crescem de forma sustentada investem mais e poupam muito mais. A taxa de poupança não chegou a 16%. Esse é um velho gargalo do Brasil.
Uma taxa de 18% de investimento significa, explicam os economistas, que os outros 82% que compõem o PIB são resultado de consumo. Um claro desajuste que limita nossa capacidade de crescer sem gerar inflação. Só investe quem poupa. Isso é verdade até na vida das pessoas. A alternativa é fazer os investimentos com dívida. Mas isso tem um limite.
Se o país não investir, não aumenta a capacidade de oferta. Se o consumo cresce mais que a oferta, haverá inflação ou aumento de importação ou ambos. Quando havia muita barreira à importação, o risco inflacionário era maior. Hoje, o país pode importar e tem alto volume de reser vas para sustentar déficits nas contas externas. Mesmo assim, é arriscado manter déficits externos por muito tempo. No ritmo atual de crescimento, as duas coisas estão acontecendo.
A inflação está em alta e o déficit em conta corrente é crescente. Por isso os investimentos são tão importantes, para garantir o aumento da produção no país e a melhoria d a i n f r a e s t r u t u r a q u e atende à circulação das mercadorias.
— Um exemplo recente desse descompasso aconteceu na venda de automóveis.
O governo deu muitos incentivos para estimular o consumo, mas como a nossa taxa de investimento é baixa, em alguns momentos os consumidores tiveram que esperar três semanas pela entrega dos veículos. Simplesmente faltou produto.
Ou seja, o setor produtivo não conseguiu acompanhar o crescimento forte do consumo — explicou Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil.
Ontem, o Banco Central anunciou o segundo aumento consecutivo de juros para frear a economia.
Nova alta de 0,75p.p., que coloca a Selic novamente na casa de dois dígitos, em 10,25%. O IBGE também divulgou o IPCA de maio, que ficou em 0,43%.
A inflação está cedendo, mas nos cinco primeiros meses do ano ela já chega a 3,09%, mais de dois terços da meta de 4,5% definida pelo BC.
Historicamente, nossa taxa de investimento é baixa. Segundo o IBGE, na comparação com os primeiros trimestres, só em 2000 o país investiu 19% do PIB. No primeiro trimestre de 2008, antes da crise internacional, o investimento foi de 18,1%.
No mesmo período de 2009, caiu para 16,3% e agora voltou para 18%.
A taxa de investimento é baixa porque a poupança também é baixa. As famílias poupam pouco. As pessoas e empresas mandam dinheiro demais para o governo através de uma carga tributária alta e mesmo isso não é o suficiente para os gastos públicos. O governo despoupa porque tem déficit todos os anos.
Isso significa que há pouco dinheiro disponível para que as empresas invistam e que o setor público também investe pouco.
— O Estado grande tira muito dinheiro da economia em forma de impostos e devolve pouco em forma de investimentos — disse o economista Bernardo Wjuniski, da Tendências consultoria.
Na China, a poupança é de 50% do PIB e isso permite uma taxa de investimento de 40%. Por isso a economia chinesa consegue manter um ritmo de crescimento em torno de 10% por anos consecutivos.
Mas a China é um caso exagerado. Outros países têm taxas menores de poupança e investimento do que a China, mas não tão baixas quanto as do Brasil. Sem desatar esse nó o crescimento não vai durar muito, como das outras vezes.
O que na conversa dos economistas parece teórico, na vida das empresas e consumidores é realidade cotidiana. Como o exemplo que abre essa coluna: a falta de investimentos num aeroporto atrasa o fornecimento de componentes, e o consumidor vai à loja e não encontra o produto que quer. Evidentemente que o resultado disso é elevar a inflação.
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