A Copa da economia
Antonio Machado
CORREIO BRAZILIENSE - 10/06/10
Ao jeito de Dunga, importa ao sucessor de Lula o que ele consiga fazer, não o que diz que fará
Se a Seleção vai trazer o caneco, não se sabe, embora por Deus e por nós já sejamos campeões. O que se sabe é que, passada a Copa, a rinha pela cadeira que o presidente Lula vai desocupar será mais renhida que a disputa na África do Sul. A esperança é que, ao final das eleições, possa ter valido a pena tamanho desgaste.
De Dunga e seus liderados só se espera a vitória. Dos candidatos Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva, os três presidenciáveis que merecem atenção, importa ao vencedor o que ele consiga fazer, não bem o que diz que fará, já que, entre a vontade e o possível, há o Congresso e a realidade da economia, ambos instáveis.
A política o é por princípio. A economia também, mas muito menos, se observadas as regras da estabilidade. A questão é como obtê-las diante de dois grandes desafios, um apenas nosso, o outro, global.
À sociedade falta o consenso, sobretudo por incompreensão, sobre as razões do para-anda da economia, alternando períodos de grande crescimento com outros em marcha lenta. É o que se desenha depois do maciço crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre, 9% em relação a igual período de 2009, mas tendendo a 4,5% a 5% até o fim de 2011, mantido o aperto de juros iniciado pelo Banco Central para mitigar as mazelas da demanda aquecida.
Inflação e deficits externos são as sequelas, resultado da oferta de produtos e serviços de infraestrutura insuficientes para servir a demanda criada por uma conjuntura próxima do pleno emprego. E os investimentos em aumento da capacidade instalada são a solução.
O investimento tem de crescer acima da demanda doméstica e deixar ainda um excedente exportável que produza um superavit pelo menos do tamanho do deficit em contas correntes financiado pelos fundos das multinacionais — portanto, sem expandir a dívida externa.
É difícil que, do bate-boca entre os candidatos durante a campanha, saia algo mais que baixaria e demagogia, ainda que tenham bastante clareza sobre o que aguarda o vencedor. O quê? Um ciclo longo de crescimento econômico com distensão social, mas se o investimento puder crescer por vários anos acima da expansão do PIB.
Para isso, o financiamento de longo prazo com fontes voluntárias, dos bancos ao mercado de capitais, vai ter de avançar muito mais. Duas condições se fazem necessárias: a dívida pública continuar em queda como dimensão do PIB. E o gasto público crescer menos, o que não significa diminuir — e, dentro dele, não o gasto social, mas o de custeio da administração, tipo salários e pessoal, incluindo o funcionamento do Judiciário, do Congresso e dos governos regionais.
Espaço para crescer
Essa agenda pró-desenvolvimento é mais política que técnica e, por isso, menos provável de que possa ser praticada na totalidade. Mas algum espaço já está detectado. A carga tributária vai crescer por muitos anos, mesmo sem novos impostos e aumento de alíquotas.
O que preocupa é o destino desse excedente. Mantidas as regras de execução orçamentária, virará gasto corrente e de custeio. Não irá para investimento. De outro lado, os programas sociais e os reajustes salariais do funcionalismo público já se deram no governo Lula em altas doses e podem ser moderados, pelo menos até 2012.
Esforço de dois anos
Dois anos é o tempo que o novo governo precisa para elevar a taxa de investimento, hoje de 18% a 19% do PIB, para 22% a 23%, de modo estrutural. Trata-se do esforço mínimo, segundo estudos do BNDES, corroborados por projeções do setor privado, para que a economia cresça sem inflação e sem deficits externos que tirem a autonomia do país diante do hot money global. Nesse desenho, o PIB poderia crescer à base de 5% anuais, em média, anos a fio.
Um jogo de cada vez
A saída desse processo, ditado pelo ritmo do investimento, requer crescimento do consumo do governo e de famílias a taxa menor que a do PIB, reprimindo pressões inflacionárias e sobre as importações.
Elas vão crescer pelos bens de capitais importados durante a fase de expansão do investimento. E saem de controle se atiçadas também pelo consumo interno febril — a parte da demanda agregada mitigada pelo Banco Central com alta de juros. A avaliação de 2011 é essa.
A divergência é sobre a intensidade das reformas fiscais ou mesmo monetárias vis à vis pequenos ganhos incrementais, menos polêmicos e mais fáceis para aprovar e implantar. José Serra, pelo que diz, tende por reformas superlativas. Dilma, pelas minimalistas. Parece mais prudente diante da crise global — domada só na torcida, assim como a do caneco erguido por Lúcio. Um jogo de cada vez é melhor.
O gargalo a superar
Da crise que roda o mundo, o que se constata é que ela vai mudando de região, toma outras formas, demole crenças e está longe do fim. Em meio a tanta indefinição, desponta o Brasil com vantagens que os emergentes de ponta não têm: instituições sólidas, comparáveis só às da Índia; sem bolhas pululando, risco na China; e com economia diversificada. É equivalente à chinesa, maior que a indiana e sem comparação com a da Rússia, monotemática em petróleo e gás.
A fraqueza é a dependência externa se manifestar a cada ciclo de expansão — o que os outros Brics superaram administrando melhor o Estado e com poupança muito maior. Superar tal gargalo terá tanto peso como teve o da inflação para FHC e o do social para Lula.
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