Os outonos na USP
JOÃO GRANDINO RODAS
O Estado de S.Paulo - 10/06/10
Por princípio constitucional, o ensino público no Brasil é gratuito, incluindo o superior, tanto de graduação quanto de pós-graduação. Instituições públicas atendem cerca de 20% do alunado brasileiro, ficando os restantes 80% a cargo de entidades particulares, em que há cobrança de mensalidades.
O orçamento das universidades estaduais paulistas - USP, Unicamp e Unesp - advém de 9,57% do ICMS. Das liberações financeiras anuais do governo do Estado à USP, no valor aproximado de R$ 3 bilhões, são gastos por volta de 85% em remuneração dos servidores docentes e não-docentes, restando apenas 15% para todos os demais gastos: pesquisa, extensão de serviços à comunidade, construções e reformas prediais, laboratórios, bibliotecas, etc. Praticamente não haveria pesquisa na USP se especialmente a Fapesp e também o CNPq não a financiassem! São expressivos os valores, originários do contribuinte paulista, que a Fapesp repassa à USP: em 2009 foram R$ 311 milhões, incluindo bolsas e auxílios à pesquisa. A seu turno, o CNPq destinou-lhe R$ 153 milhões no ano passado. Não é factível aumentar consideravelmente o orçamento público nas universidades, pois há necessidades mais prementes: o financiamento do ensino fundamental e médio, da saúde, do saneamento, da infraestrutura, da segurança etc. Além disso, a carga de impostos sobre a população já é excessiva.
Os resultados acadêmicos da USP são amplamente positivos, basta notar, por exemplo, sua classificação destacada em diversos rankings internacionais, o número de doutores formados anualmente, que supera 2.200, e sua participação na produção científica internacional, correspondente a quase 22% do conjunto da produção brasileira. Com 80 mil alunos, pouco mais de 5.700 professores e 15,4 mil funcionários não-docentes ativos, a USP tem 40 unidades e se espraia por sete campi, na capital e no interior do Estado. Esses três segmentos recebem prestações advindas do orçamento da universidade. Os alunos, consoante critério socioeconômico, podem ser destinatários dos seguintes auxílios e bolsas, com os respectivos valores mensais: auxílios-moradia (R$ 300) e transporte (R$ 150), bolsas Aprender com Cultura e Extensão (R$ 300), Ensinar com Pesquisa (R$ 300) e Iniciação Científica (R$ 360). Em 2010, até o momento, nessas rubricas se consumiram R$ 2,5 milhões.
Já os servidores, docentes ou não-docentes, percebem, além de salário, benefício sociais. As três categorias dos servidores não-docentes têm os salários inicial e médio a seguir: 1) básica: R$ 1.210,90 e R$ 2.044; 2) técnica: R$ 1.789,05 e R$ 3.569; 3) superior: R$ 3.542,20 e R$ 7.005. Intitulam-se ademais aos seguinte benefícios sociais: vale-refeição, valor unitário de R$ 15,90; auxílio-alimentação mensal de R$ 470; auxílio-creche mensal e por filho de R$ 449,95; auxílio-educação especial, mensal e por filho, de R$ 449,95; auxílio-transporte nos termos da lei estadual; além de assistência médica.
Se os salários e benefícios dos servidores não-docentes estão bem acima da média do mercado, o mesmo se diga das condições de trabalho oferecidas pela USP.
Quem toma conhecimento do quadro acima, certamente não consegue entender o que ocorre em todos os outonos na USP: greves endêmicas nos meses de maio e junho, piquetes impedindo o direito de ir e vir de servidores e alunos, invasões e ocupações de prédios universitários, manifestações em que ofensas pessoais e puro incitamento à violência são a tônica. É verdade que nunca se conseguiu paralisar a USP, tendo havido concentração das ações, geralmente, em alguns pontos, entre os quais o prédio da Reitoria.
Os sindicatos da USP continuam a se servir de métodos utilizados quando da luta contra a ditadura, nas décadas de 60 e 70, inobstante os tempos serem outros e o cenário ter-se modificado. Por longo tempo a comunidade uspiana e mesmo a população em geral acreditaram que qualquer palavra ou ação contra as rudes investidas dos sindicatos eram fruto do autoritarismo e de ditadura. Entretanto, hoje se esboçam reações, tanto internas como externas, pois os sindicatos, em geral, já evoluíram em seu modo de atuar. Ressalte-se que, pessoalmente, como filho de advogado de sindicatos operários e ex-juiz do Trabalho, tenho o maior apreço pelo papel dos sindicatos na melhoria dos salários e das condições dos trabalhadores.
Como sair dessa situação? Examinando as ações de reitores que me antecederam, verifica-se que já se tentou desde a resistência quase inerte até a execução de medidas judiciais de desocupação pela força policial. Nenhuma com sucesso absoluto. A inércia propiciou o alongamento dos movimentos, enquanto a retirada forçada acabou lhes dando fôlego.
Este ano não foi diferente. Quando assumi a Reitoria, em 25 de janeiro, estava ocupado desde abril de 2009 o recém-reformado Centro de Vivência dos alunos. Após a tomada, por alguns alunos e pessoas estranhas à USP, o local ficou destruído. Em maio de 2010 pequeno grupo de alunos e estranhos tomou salas da administração da Coordenadoria de Assistência Social (Coseas). Dia 5, seis dias antes da data marcada para o início das negociações salariais, assembleia de 80 servidores não-docentes decretou greve, com piquetes em alguns prédios da Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, em São Paulo. Desde o dia 25 passou a haver piquetes na Reitoria, que anteontem foi depredada e invadida. Inobstante tudo isso, rodadas de diálogo têm sido contrínuas, tanto com alunos quanto com funcionários. A greve vem contando com adesão de cerca de 5% do total dos servidores não-docentes.
Esse estado de coisas só evoluirá positivamente quando houver conscientização, tanto da comunidade uspiana quanto dos 40 milhões de paulistas, que financiam a universidade, de que na atualidade, com a situação de que gozam os alunos e os servidores da USP, nada justifica a utilização de métodos radicais. Cabe à imprensa livre e investigativa papel protagônico. Em última análise, somente a pressão da sociedade poderá tirar a universidade deste círculo vicioso, antes que os outonos da USP a levem ao outono!
REITOR DA USP
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