Em águas turvas
Miriam Leitão
O Globo - 08/06/2010
As bolsas estão em queda, o clima político está conflagrado com denúncias de espionagem, o maior país do mundo está impotente diante do pior desastre em extração de petróleo no mar, e o governo quer a aprovação de um projeto de capitalização gigante da Petrobras. Esta é, definitivamente, a hora errada de captar no mercado e fazer o Senado votar um projeto polêmico na área de petróleo.
Fazer uma capitalização no meio de um mercado em crise não faz sentido. Os investidores estão cautelosos e há menos liquidez para financiar as operações. O analista de petróleo da Planner corretora Victor de Figueiredo diz que as ofertas de ações feitas pelas empresas este ano foram ignoradas pelo mercado ou negociadas com desconto: — O pano de fundo agora é outro. O mercado virou com a crise e ficou mais seletivo. As ofertas de ações estão saindo com desconto, com análises profundas de cada companhia.
Este ano, ou o mercado não se interessou ou pagou menos do que as empresas queriam. A vantagem que até 2008 era dos vendedores, agora está com os compradores — disse.
O analista do setor de petróleo do Banco do Brasil Nelson Rodrigues de Matos explica que as empresas estão adiando projetos de ofertas de ações e aquelas que se arriscaram tiveram resultado abaixo do esperado, como foi o caso do estaleiro OSX, do grupo de Eike Batista. O mercado achou alto demais o preço de referência e a empresa foi obrigada a mudar as condições da oferta. O resultado foi um volume menor de ações, que foram oferecidas a um preço mais baixo do que o projetado inicialmente pela companhia: — No caso da Petrobras, a capitalização feita pela União vai melhorar o patrimônio líquido da empresa, mas não garante dinheiro em caixa. Ou seja, ela precisará também do dinheiro do mercado. E nesse contexto de crise, o interesse é menor, ainda mais pelo tamanho da operação. Não são muitos os agentes que têm cacife para participar dela — explicou Rodrigues.
O desastre da BP no golfo do México deixa o quadro mais difícil para a capitalização porque afeta a percepção de valor de mercado da indústria de petróleo como um todo.
— Os investidores sabem que essa indústria possui elevado risco ambiental e um acidente desta magnitude certamente aumentará essa percepção, tendo em vista, inclusive, que o último grande acidente foi com o Exxon Valdez. Outro ponto é o aumento dos custos, por conta do crescimento das exigências dos órgãos de controle ambiental — disse.
O desastre da BP acendeu o alerta quanto à tecnologia de prevenção e correção de vazamentos no fundo do mar.
Ficou claro que a tecnologia mais moderna é ainda perigosamente ineficiente. Será necessário investir mais em segurança e rever procedimentos.
Esse não é o momento de acelerar investimentos em exploração em áreas ainda pouco conhecidas, como as águas ultraprofundas.
O mais sensato é ampliar investimento em tecnologias de segurança, a partir do caso da BP onde até agora tudo falhou. É bom lembrar que o pré-sal é fronteira desconhecida em condições muito mais adversas do que a BP tem trabalhado.
A tragédia ambiental nos EUA também traz lições quanto ao modelo de exploração.
Se os Estados Unidos adotassem o regime de partilha, o governo americano agora teria que arcar com o ônus do custo de indenizar os atingidos pelo desastre ambiental no Golfo do México. Os prejuízos para a empresa são incalculáveis, mas ficarão ainda maiores quando se começar a pagar os custos devidos aos atingidos. As autoridades estão prevendo que levará anos a operação limpeza de toda a sujeira que se espalhou por uma área gigantesca do mar.
Os argumentos usados até agora não convenceram de que a mudança do atual modelo de concessão seja necessária ou desejável. Este detalhe torna ainda mais improvável que a alteração seja segura: o governo vira sócio em todos os campos do présal.
Não apenas a Petrobras, o governo em si e sua nova estatal. Essa não é a hora de mudar o modelo de concessão, mas sim de aperfeiçoar a regulação a partir das muitas lições do desastre.
A Petrobras está com pressa.
Alega que tem que fazer a operação de lançamento de ações até o mês que vem porque depois é período de férias no mercado e o segundo semestre estará ocupado pela eleição no Brasil.
Alega ainda que tem um cronograma de US$ 200 bilhões de investimentos e que está no limite do endividamento permitido pelas agências de risco para continuar sendo grau de investimento. Diante da incerteza do momento, e do fato de que faltam menos de sete meses para terminar o governo, a empresa deveria se concentrar nos investimentos de curto prazo, deixando a definição do longo prazo para o ano que vem, quando tudo estará mais claro: é necessário mudar o modelo? essa é a melhor forma de capitalização? quais são as prioridades de investimento? qual o regime de exploração de petróleo do pré-sal? Não há razão para a pressa na mudança do modelo de exploração, na mudança do regime de tributação, na decisão sobre a capitalização.
Só há cada vez mais pressa é na elevação do padrão de segurança da exploração de petróleo no mar. Mas sobre isso o governo não tem demonstrado infelizmente pressa alguma.
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