Ordem no galinheiro
Antonio Machado
CORREIO BRAZILIENSE - 08/06/10
Aumento da Selic com expansão do PIB em ritmo chinês é movimento para prolongar o crescimento
Esta será uma semana como há muito não se via, com o PIB (Produto Interno Bruto) do primeiro trimestre exibindo crescimento em ritmo chinês e o Banco Central dando outra volta no torniquete dos juros — na contramão das combalidas economias avançadas. Tais movimentos não são contraditórios, mas complementares à luz do modelo atual.
O desempenho do PIB será conhecido hoje, com atraso de dois meses e uma semana que o IBGE já poderia encurtar para um mês. A decisão sobre a Selic o BC divulgará na quarta-feira, depois da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária). A taxa deve subir outra vez.
O crescimento da economia foi forte entre janeiro e março, pouco menos de abril a junho e deverá seguir desacelerando na comparação trimestral até final do ano e em 2011. Essa é a expectativa entre os analistas, e não significa que torçam pelo inverno da economia.
PIB crescendo de um trimestre para outro ao ritmo de 2%, o que dá 8% em termos de taxa anualizada, faria a economia ferver. Não há produção a médio prazo capaz de atender a demanda que se formaria no mercado como consequência dessa expansão sobre a renda interna.
O BC, portanto, sobe os juros porque a economia vai muito bem, obrigado — assim como têm feito os BCs da China, da Austrália, do Canadá, da Índia, países que viram a crise global pelo noticiário. Agem assim não para frustrar o crescimento, mas para prolongá-lo.
Em certos casos, para prevenir indigestão, caso da China, onde o mercado imobiliário apresenta sintomas de bolha prestes a romper.
A capacidade de produção das empresas, assim como a de oferta de infraestrutura, cresce conforme a expectativa da demanda, mas ela tende a desacelerar diante de duas tendências de sentidos opostos e resultados equivalentes: o superaquecimento ou a recessão. Ambas deságuam em crise. Excesso ou falta de demanda cria instabilidade.
Duas sequelas são mencionadas com frequência: inflação e deficits em contas externas, estes, como resultado de o país consumir acima da capacidade instalada de produção. Não só esses fatores alteram a inflação e as contas correntes, mas são os mais frequentes.
O conceito de estabilidade tem um componente de subjetividade que o modelo macroeconômico praticado com poucas variações desde 1999 procura relativizar, servindo-se de medidas também subjetivas, mas entendidas como objetivas se tiverem credibilidade. O BC entra ai.
Como GPS da economia
A meta para a inflação, assumida há alguns anos em 4,5% anuais, é o principal dos sinalizadores dessa espécie de GPS da economia. Os resultados líquidos da balança comercial e dos fluxos de capitais também são monitorados, mas sem metas explícitas.
Em geral, há o entendimento de que os deficits externos não devem passar de 3% do PIB. O ritmo de expansão trimestral do PIB, enfim, dá a avaliação derradeira. Se ele evolui com a inflação escapando da meta e com deficits externos cumulativos, indica, tal como taxa de colesterol elevada no sangue, riscos de enfarte econômico.
A taxa do dólar, nesse cenário, é como a tontura em cardíacos: um sinal de anormalidade, não causa de enfermidade.
Blefe do BC e da Fazenda
Assim estamos com a economia: o organismo está sadio, mas poderá exigir atenção adiante à falta de cuidados precoces. O BC receita para tal situação a medicação de juros, a Selic, que deveria vir acompanhada da prescrição de dieta fiscal pela Fazenda.
Os doutores do BC e da Fazenda no governo Lula, no entanto, costumam divergir do diagnóstico, embora haja mais blefe que contrariedades genuínas nesse entrevero. Como é mais fácil subir juros, apesar da gritaria, do que cortar gastos públicos, o BC toma tiro, mas faz o que o próprio governo e o mercado financeiro esperam que faça.
A inflação desinflada
Com a inflação pelo IPCA fechado no meio de maio girando a 5,26% em 12 meses (a variação no mês inteiro será divulgada amanhã) — acima, portanto, da meta no ano de 4,5% —, o deficit externo anual até abril em 1,99% do PIB e crescendo e PIB bombando, o BC entrou em campo. No mês passado, tirou a Selic do remanso e a elevou de 8,75% para 9,5%. A previsão é que repita a dose. E o que se passa com a inflação? Está refluindo, sobretudo a projetada. Isso porque o BC pôs a Selic em ação. E não houve a pressão de demanda vislumbrada pelos economistas. Tem piloto ao volante da economia.
Histerismo lucrativo
O ano eleitoral aguça a percepção dos analistas, mas há também um bem bolado movimento histérico. Pela oposição, para lançar dúvidas sobre a capacidade do governo de gerir a economia em meio à crise global. Com a popularidade de Lula nos píncaros, o governo faz que nem está ai: abre o cofre, sobrecarregando a política monetária.
O mercado financeiro, que lucra arbitrando as taxas dos papéis do Tesouro, se aproveita da contradição entre o fiscal e o monetário, o que, de algum jeito, também pauta a ação do BC. Algo precisa ser feito, e o BC faz, se outros não fazem. Argumenta-se que, se em vez de aumentar juros, o crédito ao consumo fosse desestimulado, haveria o mesmo resultado com menos ônus econômico. É possível.
Mas antes é preciso indagar se o governo — leia-se, Lula — daria aval a tal política. O juro é mais neutro quanto ao resultado. Já o contingenciamento do crédito discriminaria os mais pobres, com os quais a candidata do PT colhe maior apoio. Tal discussão hoje é ociosa.
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