Polarização
Merval Pereira
O Globo - 25/05/2010
O empate entre os dois candidatos à Presidência da República dos partidos que polarizam a política nacional nos últimos 20 anos — José Serra pelo PSDB e Dilma Rousseff pelo PT — demonstra que as estratégias de ambos para este início de campanha estão corretas. Serra adiou o quanto pôde seu lançamento, adiando assim o confronto direto com um governo bem avaliado.
E Lula antecipou o quanto pôde o debate eleitoral, fugindo a todas as regras tradicionais da política, para ter tempo de incutir no eleitorado o nome de sua candidata.
A polarização da eleição serve aos interesses de Lula, que sempre quis uma disputa plebiscitária, por considerar que tem mais o que vender ao eleitorado do que o rival PSDB.
Serra também queria o plebiscito, mas não sobre o governo Lula em contraposição ao de FHC, mas entre ele e Dilma.
Considera que tem uma vida política mais experiente e bem-sucedida do que sua adversária e espera vencer na guerra do currículo, político e administrativo.
É certo que não esperava que o presidente Lula transferisse com tamanha intensidade sua popularidade para a candidata oficial, enquanto Lula joga todo o seu empenho na aposta de que o eleitorado votará em Dilma confiando em sua escolha.
Contra todos os prognósticos, tirou Ciro Gomes do páreo sucessório para facilitar a polarização, uma jogada arriscada que se mostrou correta.
Contra as pressões do PT, obrigou seu partido a aceitar acordos com o PMDB onde pareciam impossíveis, como em Minas Gerais.
Hoje, a parceria com o PMDB está praticamente selada, e os problemas com os aliados parecem bem encaminhados.
Pontas estão sendo acertadas nos estados.
Quando não vai por bem, vai por mal, como no caso do Maranhão, onde Lula está impondo ao PT o apoio a Roseana Sarney.
O PMDB é uma federação de interesses e tem conseguido coisas que pareciam bastante complicadas. Minas é o principal sinal — a vitória de Fernando Pimentel facilitou muito o apoio do PT a Hélio Costa, do PMDB, que está na frente nas pesquisas.
Outro avanço importante é no Ceará, contra a candidatura de José Pimentel ao Senado.
O governador Cid Gomes apoia Tasso Jereissati para o Senado, e o PMDB terá Eunício Oliveira como candidato a senador.
O Pará continua uma confusão só, com a disputa de projeto de poder entre Jader Barbalho e a governadora petista, Ana Carepa.
Mas no Pará e no Amazonas Lula tem 100% de popularidade, e dificilmente haverá brigas insolúveis.
No Sul, o PMDB está indo todo para Serra. A disputa no segundo turno vai ser com o PT, e, no Rio Grande do Sul, Serra tem o dobro de Dilma, e no Sul todo está na frente.
Mesmo que a diferença se reduza, como está se reduzindo, lá os programas sociais têm muito menos impacto.
Santa Catarina e Paraná também tendem para o acordo político com o PSDB.
Centro-Oeste, Norte e Nordeste ficam com Dilma, e Sul, com Serra. No Sudeste, o PMDB se divide: a ala paulista, controlada por Orestes Quércia, está com Serra, e Rio e Minas, com Dilma.
A avaliação dos governistas é que também Serra anda tropeçando. Procuram ressaltar que a irritação pública com jornalistas tem se repetido, e as duas vezes em que brigou foi com jornalistas mulheres.
A arrancada inicial cheia de tropeços não inviabilizou a caminhada de Dilma, que estranhamente está sendo construída em público, tanto física quanto politicamente, sem provocar rejeição.
No campo da plástica, a candidata já fez várias correções, culminando com uma mudança radical do corte de cabelo, que lhe deu um ar mais jovial.
Na parte política, está deixando de lado o tom radical que imprimiram à sua biografia no início da campanha, provavelmente para ganhar o eleitorado de esquerda, e está caminhando para o centro à medida que o ex-ministro Antonio Palocci vai se impondo dentro da campanha.
A exemplo de Lula, é na economia que a candidata oficial está se mostrando mais moderada. Aproveitando as críticas do candidato tucano ao Banco Central, especialmente sua posição não muito simpática à autonomia operacional da instituição, Dilma Rousseff passou a dar ênfase justamente ao contrário, realçando a importância do Banco Central na recente crise econômica mundial.
Essa dicotomia entre a política interna, mais à esquerda no segundo governo Lula, e a economia, sempre mais conservadora, está se repetindo no comando da campanha da candidata do PT.
Enquanto o partido ainda joga com a possibilidade de identificar o PSDB com uma política neoliberal que ameaça os programas sociais do governo Lula, a campanha vai enviando aos investidores mensagens moderadas, identificando o adversário com os perigos de uma guinada na política econômica.
Recentemente, em seminário em Nova York, foram muitas as mensagens de que Henrique Meirelles poderá continuar à frente do Banco Central num futuro governo Dilma. E o cicerone da candidata oficial foi Palocci, que continua com excelente trânsito junto aos investidores internacionais.
Também o discurso externo muda. Enquanto aqui dentro, para os militantes, o governo anterior é demonizado, lá fora a própria Dilma repete Palocci e atribui nossa atual prosperidade à continuidade das políticas econômicas dos últimos 20 anos.
A candidatura tucana provavelmente conseguirá algum gás com os programas eleitorais partidários de junho, e é possível que a campanha oficial comece com os dois ainda empatados.
A presença de Lula no programa do PT a exaltar as qualidades administrativas de Dilma exigirá, porém, que o programa do PSDB passe a atacar mais diretamente a candidata oficial, tentando levar a polarização para o campo da experiência política e administrativa. E será inevitável tentar desconstruíla e aos programas do governo, como o PAC. A briga, então, chegará a Lula.
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