Lula no mundo
Janio de Freitas
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/05/10
Lula não perdeu aquele mínimo equilíbrio de ideias e atitudes que dá as pessoas como normais. Ou perdeu? O sucesso além de todas as medidas é traiçoeiro, sua obra definitiva é a costumeira reviravolta que faz um transformar-se tanto que se torna outro. Se o sentimento de onipotência transbordou e venceu, estará desastrosamente explicada, por si mesma, a convicção de Lula de ter hoje no Irã 9,99 de probabilidades, em dez, de desenrolar a crise aguda na região.
Se, no entanto, tudo nele continua próximo das medidas de praxe, e concretiza-se com os iranianos a (meia) solução tão desacreditada, será um feito que muda muito a cara política do mundo.
O conjunto dos fatos mais recentes favorece a probabilidade de um acordo, para evitar sanções econômicas contra o Irã e, em troca, haver garantias de que o programa nuclear iraniano se limitará a fins pacíficos. Os numerosos contatos de líderes internacionais com Lula, nos últimos dias, combinam-se com as declarações de vários deles, quando Lula iniciava a viagem, de que o Irã recebia a última oportunidade de evitar as sanções e outras represálias. Estava evidente, aí, o propósito de pressionar em favor de Lula, contra outro possível recuo do ardiloso Ahmadinejad. O próprio Lula cercou-se de novas precauções, buscando em pessoa a confirmação do apoio da Rússia e, no Qatar, de países árabes.
A ida de Celso Amorim ao Irã, já ao final da semana, foi dada como arremate na organização da visita de Lula. Isso não é feito por ministro. O provável é que Celso Amorim, em tempo de uma reação de Lula, tenha procurado a última confirmação das boas disposições iranianas e dos representantes da Turquia, que é parte fundamental na costura do acordo esperado. E na sua prática, se adotada a proposta da Agência Internacional de Energia Atômica, da ONU, para troca de urânio do Irã por urânio enriquecido no exterior. Há indícios, porém, de que inovações feitas pelo Brasil, na proposta, foram decisivas para a prometida aceitação do Irã.
Até agora, nos termos mais amplos da política internacional, Lula é uma figura com projeção sem influência, propriamente. Caso sua audácia de meter-se onde não foi chamado, no jogo dos grandes, resulte em sucesso no impasse do Irã, estará aberta a oportunidade para a presença nova que falta no meio século de mesmismo do mundo "em desenvolvimento" (ou seja, repleto de pobreza e suas consequências).
Tudo indica ser essa a ambição de Lula desde que, obtidas a popularidade e aceitação pelos conservadores no Brasil, viu-se como atração nos centros de poder do exterior. O que o distingue Lula, para um possível papel novo, é não suscitar a falta de confiança que os governos europeus e americanos provocam em toda parte. Situação parecida com a existente no Brasil, entre os ansiosos por mudanças, até que foi montado o primeiro governo Lula.
No plano interno, êxito e insucesso de Lula destinam-se a repercussões contrárias mas idênticas na dimensão. Valerá a pena tolerar o baticum de um novo "nunca na história", se houver algum acordo - ou melhor, alguma protelação da próxima crise aguda.
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