terça-feira, abril 06, 2010

NAS ENTRELINHAS

Uma herança bem complicada

 Alon Feuerwerker
Correio Braziliense - 06/04/2010
 
Quando Lula pousar na História, ela registrará a maior oportunidade que um presidente brasileiro teve, em muito tempo, de ceifar os juros a um nível civilizado. E como deixou-a passar


 
 

Preparemo-nos, que a conta vem aí. Com os indicadores registrando pressões inflacionárias, a tendência do Banco Central é subir a taxa básica de juros. Rotineiro, menos por um detalhe: ela vai elevar-se a partir de um nível já alto, um patamar que nos mantém na pole position mundial do juro básico real.

O governo, naturalmente, preferirá dizer que “no tempo de FHC era pior”. Ou então mudar de assunto e tratar do crescimento. Ainda que, na média de 2009 e 2010, a evolução do PIB vá ser medíocre. O que pode ser lido como redundância, mas reflete bem a realidade.

Taxa de juros não costuma dar nem tirar voto, então o governo parece não estar nem aí para um fato: o aperto monetário vindouro vai coroar talvez um dos maiores fracassos da Era Lula. Pois ela terminará do jeito que começou, refém da “pátria financeira”, na expressão criada pelos argentinos.

Mas se lá atrás era uma contingência da vida, com o tempo, passou a ser produto de escolhas políticas.

Vamos recapitular. Quando a crise mundial estourou, em setembro de 2008, todos os bancos centrais derrubaram imediatamente as taxas e cuidaram de prover a liquidez necessária para evitar um colapso nos moldes da crise de 1929. E quem tinha suficiente gordura fiscal para queimar, como por exemplo a China, tratou de garantir a tal demanda agregada.

O que fizemos nós? Na parte fiscal, demos folegozinhos localizados a setores industriais mais influentes, de canais mais azeitados na Esplanada, com a explicação de que a medida teria efeito geral, devido à propagação da atividade. Simplesmente não aconteceu, e a indústria fechou 2009 com a língua de fora.

Claro que 2010 está sendo bom, especialmente na comparação com o péssimo 2009, o que não absolve os doutores. Se o paciente consegue recuperar-se, isso não anistia o médico que errou no tratamento. Ainda que ele apareça, sorridente, ao lado do sortudo agora liberado da UTI.

O que fez o BC no final de 2008 e início de 2009? Esperou meses antes de começar a baixar — e devagar — a taxa de juros. Qual era o pretexto? As ameaçadoras pressões inflacionárias decorrentes da desvalorização cambial que viria por causa do menor retorno proporcionado pelos títulos do Tesouro.

Bem, mesmo com o BC de freio de mão puxado, o real desvalorizou-se, sem qualquer efeito na inflação. Simplesmente porque não havia demanda. Mas você vê alguém cobrando o BC pela barbeiragem? Ninguém.

O PT não cobra porque foi neutralizado por Luiz Inácio Lula da Silva. E a oposição não cobra porque, no fundo no fundo, trata a turma do BC como se fosse da cota dela. E talvez seja mesmo.

Quem arca com a conta da bonita amizade entre este governo e os bancos, caro leitor? Quem vive de trabalhar, e não de especular. Os que pagam tarifas bancárias escorchantes. Quem paga 10% ao mês no cheque especial quando a inflação está em 5% ao ano — e quando o banco remunera o poupador a 1% ao mês.

Este governo do PT começou e vai terminar com o Brasil no alto do pódio do spread bancário.

Um dia, quando Lula deixar de frequentar diariamente o notíciário com discursos, quando tiver pousado na História, ela registrará a maior oportunidade que um presidente brasileiro teve, em muito tempo, de ceifar os juros a um nível civilizado. De inverter a lógica-mãe do capitalismo brasileiro, da especulação para a produção. De garantir um câmbio suficiente para a competitividade da nossa indústria e a defesa dos nossos empregos, de impor uma regulação bancária centrada na razoabilidade das margens e na necesssidade de popularizar o crédito.

E vai registrar como Lula, com 80% de apoio popular, com os adversários grogues, e em meio a discursos sobre “a imperiosa necessidade de evitar a volta do neoliberalismo”, deixou passar o cavalo arriado. Deixando também, quem diria?, uma herança bem complicada para a sucessora, ou sucessor.
Pesquisas birutas
Quando pesquisas eleitorais sucessivas se contradizem, parecendo aquelas birutas de aeródromo chinfrim, só resta uma saída: esperar pelas seguintes, as que ainda não foram feitas.

Porque, como vocês estão cansados de saber, eu acredito em todas as pesquisas.

Parece-lhe confortável? Talvez seja. O que não dá é o analista entrar neste samba do afrodescendente doido, na adaptação politicamente correta do termo.

Querem bater boca sobre pesquisas? Sintam-se à vontade. A casa é de vocês.

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