Risco que não vale a pena
O GLOBO - 05/04/2010
Uma onda de austeridade fiscal se precipita sobre a Europa e os Estados Unidos. A magnitude dos déficits orçamentários — como a magnitude da crise — pegou muitos de surpresa. Mas, a despeito dos protestos dos que propunham a desregulamentação, para quem o governo deveria permanecer passivo, a maioria dos economistas acredita que os gastos governamentais fizeram a diferença e ajudaram a evitar outra Grande Depressão.
A maioria dos economistas também concorda que é um erro considerar apenas para um lado do balanço (seja no setor público ou privado). Não se deve olhar apenas o que um país ou empresa devem, mas também os seus ativos. Isto deveria ajudar a responder aos falcões do setor financeiro, que soam alarmes sobre gastos governamentais.
Apesar de tudo, mesmo os falcões reconhecem que deveríamos nos concentrar não só no déficit atual, mas na dívida de longo prazo. Gastos, especialmente investimentos em educação, tecnologia e infraestrutura, podem realmente levar a déficits menores a longo prazo. A miopia dos bancos ajudou a criar a crise; não podemos deixar a miopia do governo — estimulado pelo setor financeiro — prolongá-la.
Crescimento mais rápido e rendimentos do investimento público proporcionam receitas tributárias mais altas, e rendimentos de 5% a 6% são mais do que suficientes para compensar aumentos temporários da dívida nacional.
Uma análise de custo/benefício social (levando em conta impactos outros que os orçamentários) faz tais gastos se tornarem ainda mais atraentes, mesmo que elevem o déficit.
Finalmente, a maioria dos economistas concorda que o tamanho apropriado de um déficit depende, em parte, do estado da economia. Uma economia mais frágil pede um déficit maior, e o tamanho apropriado de um déficit diante de uma recessão depende de circunstâncias precisas.
É aqui que os economistas divergem.
Previsões são sempre difíceis, especialmente em tempos turbulentos.
O que ocorreu não é (felizmente) algo que aconteça todos os dias; seria tolo examinar recuperações passadas para prever esta.
Nos EUA, por exemplo, créditos duvidosos e arrestos de imóveis estão nos níveis mais altos em 75 anos; o declínio do crédito em 2009 foi o maior desde 1942. Comparações com a Grande Depressão são enganadoras, porque a economia hoje é, de muitas formas, tão diferente. E quase todos os especialistas se mostraram altamente falhos — vide as funestas previsões do Federal Reserve (banco central americano) antes da crise.
Ainda assim, mesmo com grandes déficits, o crescimento econômico nos EUA e na Europa é anêmico, e as previsões sobre a recuperação do setor privado sugerem que, na ausência de apoio governamental contínuo, há risco de longa estagnação — crescimento débil demais para permitir que o desemprego baixe a níveis normais.
Os riscos são assimétricos: se essas previsões estiverem erradas e houver uma recuperação mais robusta, obviamente os gastos poderão ser cortados e/ou os impostos aumentados. Mas se as previsões estiverem certas, um freio prematuro nos gastos governamentais traz consigo o risco de jogar a economia de novo numa recessão. Esta é uma das lições que deveríamos ter aprendido com a experiência americana na Grande Depressão; é também uma das lições que emergem da experiência do Japão nos anos 90.
São pontos particularmente relevantes para as economias mais atingidas.
O Reino Unido, por exemplo, tem passado momentos piores que outros países por uma razão óbvia: ele teve uma bolha imobiliária (embora de menores consequências do que a da Espanha), e as finanças, que estiverem no epicentro da crise, têm um papel mais importante em sua economia do que na de outros países. O pior desempenho do Reino Unido não resulta de políticas piores; na verdade, o resgate de bancos feito pelo governo britânico e sua política para o mercado de trabalho foram, de muitas maneiras, muito melhores que os dos EUA. Eles evitaram a perda maciça de recursos humanos associada com o elevado desemprego nos EUA, onde quase um em cada cinco pessoas que procuram emprego em tempo integral não consegue obtê-lo.
À medida que a economia global volta a crescer, os governos deveriam elaborar planos para elevar impostos e cortar gastos. O equilíbrio correto será inevitavelmente objeto de disputa. Princípios como “é melhor taxar coisas ruins do que boas” poderiam sugerir impostos para proteger o meio ambiente.
O setor financeiro impôs pesados encargos externos ao resto da sociedade.
O setor financeiro americano poluiu o mundo com hipotecas tóxicas e, de acordo com o bem estabelecido princípio de que “o poluidor paga”, deveria pagar mais impostos. Além disso, taxar o setor financeiro ajudaria a aliviar os problemas causados pela alavancagem excessiva e pelos bancos “grandes demais para falir”. Impostos sobre atividades especulativas poderiam encorajar os bancos a focar em seu papel-chave na sociedade, que é o de fornecer crédito.
A longo prazo, a maioria dos economistas concorda que os governos, especialmente em países industrializados avançados com populações em envelhecimento, deveriam se preocupar com o grau de sustentabilidade de suas políticas. Mas devemos ser cautelosos com o fetiche do déficit. Déficits para financiar guerras ou para salvar o setor financeiro (conforme aconteceu em escala maciça nos EUA), levam ao endividamento, gerando ônus para as futuras gerações. Mas investimentos públicos de alto retorno e que se pagam podem, na realidade, melhorar o bem-estar de gerações futuras. Seria duplamente tolo sobrecarregá-las com dívidas de gastos improdutivos e com corte dos investimentos produtivos.
São questões para dias posteriores — em muitos países, as perspectivas de uma recuperação robusta estão ainda, na melhor das hipóteses, um ano ou dois à frente. Por agora, a situação é clara: reduzir os gastos governamentais é um risco que não vale a pena correr.
JOSEPH E. STIGLITZ é economista.
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