REVISTA VEJA SP
Que mês!
Ivan Ângelo | 28/04/2010
Abril é o mais cruel dos meses. Com esse verso, o poeta T.S. Eliot iniciou o célebre poema The Waste Land (Terra De vastada): “April is the cruellest month”. O verso brotou das minhas lembranças enquanto eu anotava que até o fim do mês teria de apresentar a declaração anual para o imposto de renda, chateação que assalta os brasileiros em abril.
O título do poema, o imposto de renda que em boa parte será rapinado pelos políticos, a chuva desastrosa que matou e continua a matar ao longo do mês, os deslizamentos nos morros do Rio, desastres nas estradas, o início das baixarias da campanha política e um caso dramático de doença na família juntaram-se na minha cabeça e então o verso de Eliot começou a articular dentro dela várias coincidências de datas.
Sempre se disse, no Brasil, que o mês de agosto é de desgosto, mas isso é mais pelo gosto da rima do que pelos desastres. Abril já começa com mentiras, no dia 1º, e termina com a chateação obrigatória da Receita Federal.
Quando os portugueses da armada de Cabral que se dirigiam para as Índias fizeram um pit stop na costa da futura Bahia, marco do futuro Brasil, o mês era abril. Começava a desgraça dos primeiros brasileiros, chamados de índios e gentios, e logo escravizados, massacrados. As matas foram devastadas. The waste land.
Em abril, quase três séculos depois, os conquistadores mataram na forca um libertário, Tiradentes, e o esquartejaram, e distribuíram partes de seu corpo pelas estradas e caminhos, “para terror e exemplo”.
Quando os militares brasileiros derrotaram a raquítica oposição ao golpe de estado, era 1º de abril de 1964. Em um dia eles acabaram com a resistência, em vinte anos acabaram com a ilusão de um modo de ser brasileiro. A crueldade, a exclusão, a corrupção e o oportunismo tornaram-se explícitos, passaram a fazer parte da regra do jogo.
Era 9 de abril quando saiu o ato institucional que depôs o presidente Goulart, iniciou as cassações de direitos políticos, suspendeu a estabilidade de funcionários. Foi o primeiro de muitos atos traumáticos.
Foi em abril de 1977 que Ernesto Geisel, o quarto ditador militar, fechou o Congresso para aprovar a reforma do Judiciário. Deu no que deu.
No meio desse mesmo mês, o mesmo general baixou o Pacote de Abril, para evitar que candidatos da oposição se elegessem governadores pelo voto direto; também um terço dos senadores seria eleito por voto indireto, e estes ganharam o apelido de senadores biônicos; na televisão, os candidatos a qualquer cargo eletivo só poderiam mostrar foto, número e currículo. Nada de ideias.
Em abril de 1981, dois militares pretenderam explodir bombas no Riocentro, onde se realizava um show de cantores e bandas que não simpatizavam com o regime militar. Uma das bombas explodiu no colo de um deles, antes de ser plantada e acionada.
As coisas deveriam mudar em 1985, mas o homem escolhido para mudá-las, o político mineiro Tancredo Neves, morreu no dia 21 do cruel abril.
No dia 11 de abril de 1990, o Congresso Nacional, o único poder que poderia impedir as loucuras do Plano Collor, que confiscara na marra os depósitos bancários e a poupança de todos os brasileiros, aprovou-as e deixou o povo com uma mão na frente e a outra atrás.
Em outro 11 de abril, em 2006, o procurador-geral da República fechou um ano de denúncias que chocaram o país ao apresentar finalmente ao Superior Tribunal Federal as acusações contra quarenta réus por corrupção, apontando como cabeça do esquema que ficou conhecido como mensalão, de pagamento mensal para a compra de deputados federais com dinheiro de caixa dois, o então poderoso ministro da Casa Civil, José Dirceu.
Veja, caro Eliot, onde seu verso de 1922 foi encontrar ressonâncias.
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