domingo, abril 25, 2010

ELIO GASPARI

Cidade de Deus, nunca mais
ELIO GASPARI
FOLHA DE SÃO PAULO - 25/04/10


Prefeito do Rio promete transferir favelados sem colocá-los em guetos que desmoralizam a cidade


O PREFEITO Eduardo Paes anunciou a construção de 170 prédios com 3.400 apartamentos de 42,6 metros quadrados no bairro de Triagem. Neles serão instaladas cerca de 13,5 mil pessoas que vivem em favelas da cidade. Há muito tempo não saía do Rio de Janeiro uma notícia tão boa. A área fica a 15 minutos do centro, próxima às linhas de trens, e Paes promete um projeto urbanístico que integre os prédios ao bairro, livrando-os da maldição dos conjuntos habitacionais. Se fizer isso abrindo um concurso público, o Rio poderá ganhar mais um marco arquitetônico.
A transferência desses cariocas para um bairro vivo, com comércio, serviços e transportes próximos, desdenha a demofobia que há um século se esconde na discussão do futuro das favelas. Não se trata de tirar cidadãos de um lugar, mas de saber para onde eles irão. Afinal, a maioria dos moradores da avenida Vieira Souto aceitaria ser removida para a Park Avenue, em Nova York.
O economista Sérgio Besserman, presidente do IBGE durante o tucanato, deu uma entrevista ao repórter Oscar Cabral defendendo as remoções de favelas e exemplificou suas virtudes: "A lagoa Rodrigo de Freitas, cartão-postal da zona sul carioca, é um caso emblemático dos aspectos positivos que podem se seguir a uma remoção. Quando a favela foi retirada dali, em 1970, os imóveis da região, cujos valores vinham sendo depreciados, inverteram a curva e passaram a se valorizar".
Certo, mas faltou dizer onde terminou a curva dos moradores da favela da praia do Pinto. Eles foram mandados para Cidade de Deus, símbolo internacional da depreciação do Rio de Janeiro, produto emblemático do urbanismo demófobo. A favela não foi removida de acordo com uma política pública. Numa noite, a comunidade foi incendiada, provavelmente por Nero, o imperador que limpou Roma.
A VIÚVA FAZ PAPEL DE BOBA DESDE 1792 

Chegará na próxima semana às livrarias "A Fortuna dos Inconfidentes - Caminhos e Descaminhos dos Bens dos Conjurados Mineiros (1760-1850)", do professor André Figueiredo Rodrigues. É uma daquelas obras que demonstram a grandeza da pesquisa documental.
Aprende-se no colégio que os 24 inconfidentes condenados em 1792 tiveram seus bens confiscados pela Coroa portuguesa. Chegou-se mesmo a uma estimativa segundo a qual os confiscos renderam o equivalente a 643 quilos de ouro. Tratando-se de uma conspiração descoberta no andar de cima da Colônia, podia-se pensar que o alferes Tiradentes perdeu o pescoço, mas seus companheiros teriam perdido os anéis. Figueiredo Rodrigues prova que isso é lenda. De recurso em recurso e de mutreta em mutreta, se a Viúva conseguiu 10% do que cobiçou, foi muito.
O professor seguiu a grande regra da pesquisa histórica: foi atrás do passo seguinte. Houve o sequestro, mas o que aconteceu depois? Ele acompanhou o movimento dos patrimônios de sete conjurados que viviam na comarca do Rio das Mortes. Um deles, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, ensinara que "o dinheiro vencia tudo". Burocratas levaram propinas, fazendas não foram inventariadas, joias sumiram e, dos 529 escravos sequestrados, 87 sumiram.
"A Fortuna dos Inconfidentes" mostra como as mulheres dos presos transformaram os patrimônios dos maridos num enorme laranjal, com a ajuda de administradores, artifícios contábeis e laços de parentesco. Ao fim das contas, a Coroa "pouco lucrou (...) e as famílias pouco perderam".
A pesquisa minuciosa faz do livro uma leitura pesada, porém seu mérito está em recuperar, dois séculos depois, a voz dos documentos.
BILHETE ÚNICO
Se ninguém atrapalhar, em agosto o Bilhete Único começará a vigorar na rede de ônibus da cidade do Rio. A tarifa poderá ficar em R$ 2,40, e o novo sistema permitirá aos cariocas fazer um transbordo ao longo de duas horas. A tarifa dos ônibus do Rio é de R$ 2,35. Portanto, quem sai de Bangu com destino a Copacabana e sobe em dois ônibus economizará R$ 2,30 a cada percurso. Em 25 dias, serão R$ 115. Em São Paulo, o Bilhete Único custa R$ 2,70, permite três transbordos e vale por três horas.
BOA NOTÍCIA
O jornalista José Augusto Ribeiro trabalha numa biografia de Tancredo Neves. Ele já produziu três bons volumes sobre Getúlio Vargas. Em 1985, José Augusto era o assessor de imprensa de Tancredo, às vésperas da posse que não aconteceu.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo, que é um idiota, não sabia que a doutora Rejane Andersen era "uma desembargadora do Tribunal de Justiça" de Santa Catarina. Depois de ter visto em vídeo a valentia da meritíssima na batalha pela tentativa de liberação do carro de seu querido filho, o idiota acredita que doutora Rejane poderia passar a fazer a mesma coisa pelos filhos dos outros. Por cretino, Eremildo tem memória inconveniente. Em 2008, a doutora Rejane concedeu uma liminar proibindo a circulação do livro "A Descentralização no Banco dos Réus". Proibido até hoje, o texto está na internet. Seu autor foi preso em flagrante numa tentativa de extorsão. Seria melhor se o livro circulasse e ele fosse responsabilizado pelo conteúdo, todo dedicado ao que o autor apresenta como relações promíscuas da imprensa com o governo de Santa Catarina.
HILLARY ROUSSEFF?
O comissariado da campanha de Dilma Rousseff conseguiu superar os tucanos, pois se briga mais por lá do que na tropa de José Serra. A candidata petista talvez devesse passar os olhos em alguns necrológios da candidatura de Hillary Clinton.
Guardadas as diferenças, restam duas fortes semelhanças:
1) A equipe de Hillary estava tão convencida da vitória que passou um bom tempo brigando entre si. Quando acordaram para o perigo Obama, continuaram brigando entre si.
2) Tanto Hillary como Bill Clinton custaram a perceber que o discurso de Obama tinha um conteúdo de mudança. "Yes, we can" não era um slogan, era um desejo.
PESADELO PAPAL
Bento 16 conseguiu algo que não passou pela cabeça do cardeal Joseph Ratzinger nem nos seus piores pesadelos de guardião da fé. A crise da pedofilia acordou, reagrupou e devolveu um estandarte moral à raquítica esquerda católica. Prova disso está na repercussão obtida pela carta do teólogo suíço Hans Kung ao episcopado mundial, na qual sustenta que "a obediência incondicional só é devida a Deus". Kung e Ratzinger foram colegas na Universidade de Tubingen e nas sessões do Concílio Vaticano 2º. Bento 16 e Kung aproximaram-se, jantando juntos em 2005, mas afastaram-se para sempre quando o papa suspendeu a excomunhão dos padres cismáticos da Sociedade de São Pio 10º, um dos quais negava a extensão do Holocausto.
10 X 1
É previsível que os ministros do Supremo se adaptarão ao estilo reservado do novo presidente, Cezar Peluso. Há uma só dúvida: a capacidade de adaptação de Gilmar Mendes à simples condição de ministro.

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