sexta-feira, abril 23, 2010

CLÓVIS ROSSI

Mudança ganha, mas quem é a mudança?

Clóvis Rossi 
Folha de S. Paulo - 23/04/2010
 
Parece evidente que o eleitorado britânico quer a mudança, por mais que falte definir com clareza que tipo de mudança: os dois candidatos que dizem representá-la levaram, juntos, mais de dois terços dos votos em pesquisa do YouGov/The Sun sobre quem ganhou o segundo debate entre os líderes dos três principais partidos.
Desta vez, ganhou o conservador David Cameron (36%), quatro pontos à frente do liberal-democrata Nick Clegg, nítido vencedor do debate anterior. Com 29%, o perdedor foi de novo, Gordon Brown, o único candidato que não pode defender a mudança, porque seu partido, o Trabalhista, está há 13 anos no poder, período em que Brown foi o todo-poderoso czar da economia, primeiro, e primeiro-ministro depois.
A pesquisa indica um equilíbrio maior do que no primeiro encontro, em que houve consenso, até entre os candidatos, de que Clegg se saíra melhor.
É razoável especular que o desempenho vitorioso de Cameron desta vez se deveu a ter vestido com gosto e energia o traje do conservador típico, em ao menos três dos itens que surgiram durante os 90 minutos de discussão aberta: Europa, deficit público e imigração.
Cameron bateu numa tecla antiga dos conservadores -e que cai bem nos corações de boa parte dos britânicos: nada de transferir mais poder "de Westminster [sede do Parlamento britânico] para Bruxelas [a capital europeia]".
Bateu também na necessidade de impor um teto para a imigração, outro tema que inquieta o eleitorado, além de pregar uma redução imediata do deficit público, por meio da retirada dos incentivos que o governo Brown foi obrigado a adotar para evitar que a crise econômica virasse uma depressão.
Versões mais edulcoradas do conservadorismo aparentemente estavam transferindo para Clegg a bandeira da mudança, palavra em princípio chave nesta eleição.
Clegg insistiu, a ponto de referir-se muitas vezes às siglas rivais como "velhos partidos". Pode não ter brilhado tanto quanto há uma semana, mas a pesquisa mostra que definitivamente equiparou-se aos dois líderes dos partidos tradicionais.
Foi, de resto, tratado sempre como igual por Brown e Cameron, não mais como uma espécie de "outsider" chamado à mesa dos grandes apenas por cortesia da Sky, a rede que promove os debates.
Brown, impedido de usar a muleta da mudança, adotou tática que o Brasil conhece bem de campanhas anteriores e da atual: a do medo. Definiu Cameron como "um risco" para a economia e, Clegg, como "um risco" para a segurança.
Não colou, a julgar pela pesquisa. Mas o peculiar sistema eleitoral britânico, em que o mais votado em cada um dos 650 distritos ganha a cadeira, permite que, mesmo com menos votos no total, um partido leve mais vagas no Parlamento.
Ou seja, ainda não há nada definido, salvo o fato de o bipartidarismo de sempre parecer superado, ainda que as distorções eleitorais não permitam que se recolha tão claramente a ascensão de Clegg.

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