Na fila de trás
Antonio Machado
CORREIO BRAZILIENSE - 04/04/10
Com pífio 1,2% do comércio global, país fica em 24º lugar na lista dos maiores exportadores
O superávit da balança comercial em março, o menor para o mês nos últimos dez anos, não foi a única notícia ruim a assombrar o antes pujante comércio exterior brasileiro, ex-alavanca do crescimento.
Em 2009, a participação brasileira no comércio global não passou de pífio 1,2% — desempenho fraco, que se repete há anos, mantendo o Brasil estagnado na 24ª posição do ranking anual da Organização Mundial do Comércio, OMC, ou WTC, na sigla em inglês.
Para a 8ª maior economia do mundo e candidata a ser a 5ª em mais uma década, na avaliação do governo, essa fatia do comércio global é um cisco. Nenhum país, fora os EUA, se desenvolveu sem uma forte participação do comércio exterior no PIB. A exceção dos EUA, país que ostenta o duvidoso cetro de maior importador do mundo, se deve ao virtual monopólio do dólar como meio de pagamentos global.
No pior ano do comércio global desde 1939, segundo a OMC, quando as exportações recuaram, a preços de 2005, 12,2%, as importações encolheram 12,9% e o PIB afundou 2,3%, o país não se saiu melhor.
No mapa da OMC, as exportações nacionais caíram tanto quanto a média mundial em dólar constante sobre 2008: 23%. As importações recuaram 27%, pondo o país na 26ª posição, com a fatia de 1,1%.
Há muita conversa, pouca ação e resultados mais modestos do que a propaganda triunfalista tenta transmitir, sobretudo quanto ao que se espera de uma atividade tão sensível para a segurança de longo prazo das contas nacionais e para a autonomia econômica do país.
O problema é menos o crescimento das importações, que expressam a retomada dos investimentos empresariais, grande demandante de bens de capitais importados, e o dinamismo do mercado interno, fator de competitividade do país em períodos de crise internacional aguda.
Grave é a rápida perda de atratividade das exportações quando os negócios internos começam a fervilhar, o que não se deve só à taxa cambial valorizada, mas também à falta de mecanismos eficazes para impulsioná-las. Há anos se fala em política de comércio exterior — e entra governo, sai governo, nada acontece. O país depende cada vez mais das exportações de minérios e grãos, especialmente para a China, criando dois tipos de dependência: uma nova, outra antiga.
Geografia regressiva
O dado novo é a China, que em 2009 passou a Alemanha como maior exportador mundial, com 9,6% de participação, contra 9% do antigo líder, 8,5% dos EUA, 4,7% do Japão e 4% da Holanda (país pequeno, que se destaca como entreposto das economias insulares da Europa).
Nesta “nova geografia comercial”, o Brasil saiu do vácuo dos EUA e entrou no da China, maior importador de várias matérias-primas, como minério de ferro, e produtos do agronegócio. Mas há nuanças.
Os EUA importam mais produtos industriais, que levam maior valor agregado, típicos de setores que geram mais e bons empregos. Já a China não só compete com as exportações industriais brasileiras e começa a desalojar firmas nacionais em mercados tradicionais como o Mercosul. Ela importa basicamente produtos básicos — a situação do Brasil até os grandes investimentos industriais nas décadas de 1960 a 1970. Por este ângulo histórico, o país regrediu.
A salvação da pátria
Não é mau ser exportador de bens primários. É melhor que ocorra isso à falta de algo a mais. O agronegócio, por exemplo, tão mal amado por organizações de esquerda, muitas mantidas com repasses de dinheiro público, gera um superávit externo que compensa todo o déficit das demais atividades. Sem o agronegócio o país estaria na situação humilhante da Grécia: quebrado e no colo do FMI.
Em 2009, o superávit do agronegócio, de US$ 49 bilhões, sustentou a balança comercial, pois os demais setores produziram déficit de US$ 23,7 bilhões. A exportação de minérios é outra dádiva. Com os novos preços de exportação da Vale, aumentados de mais de 100%, se faz conta no governo sobre quanto isso deverá ajudar a espichar o magro superávit comercial de 2010, previsto em US$ 10/12 bilhões.
Sem gambiarra cambial
O fato é que matérias-primas geram receitas, não desenvolvimento, como comprovam os países petroleiros, ricos de caixa e miseráveis socialmente. A indústria faz a diferença. Dentro dela, mais as que produzem bens de alto valor tecnológico. Entre essas, as que sabem inovar nem que seja pela engenharia reversa de conteúdo importado.
Essa sequência de valor define a estratégia comercial, o que deve ser apoiado e as parcerias externas. Sem tal esquema, o resto é só gambiarra. O real fraco e desonerações se tornam apenas subsídios.
Magias voltam à cena
O governo, premido pelo cumprimento da meta que se impôs de fazer superávit primário de 3,3% do PIB neste ano, para pagar os juros da dívida pública, reluta em dar alívio tributário ao exportador. Não libera também a criação do Eximbank Brasil, que virá como extensão do BNDES para financiar o importador de bens e serviços nacionais.
Vai acabar reagindo quando o déficit externo, que tende a 3% do PIB este ano, se avolumar e começar a inflar o dólar e a açoitar a inflação. A exportação terá o prêmio cambial na marra, mas à custa de se enfraquecer o poder aquisitivo dos salários. Não é assim que se pereniza o crescimento econômico com distribuição de renda. É bom o eleitor prestar atenção às ideias mágicas que começam a pulular.
Nenhum comentário:
Postar um comentário