Que Lula queira ser o senhor do destino dos personagens da sua base, vá lá. Mas o viés do “faço o que quero” começa a romper a barreira do razoável quando se refere à retomada de obras irregulares
Capitaneada pelo presidente Lula, a pré-campanha da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência da República ingressa agora num patamar além das simples citações e presenças nos palanques de inauguração de algumas obras e lançamento de outras pelo Brasil afora. Chegou a hora do torniquete na base aliada. Segurar ou tirar oxigênio de todos aqueles que possam se opor à tese da eleição plebiscitária, de Dilma versus José Serra.
O cerco começou por aqueles que, em tese, poderiam ser parceiros do PSB de Ciro Gomes no bloco de esquerda que engloba PDT, PCdoB, PMN e outros. Os atos são quase que simultâneos. Há alguns dias, Ciro Gomes informou aos comandantes de seu partido que não deseja concorrer ao governo paulista e que prefere continuar como candidato a presidente da República. Na terça-feira, esteve em Recife para conversar sobre isso com o presidente do partido, Eduardo Campos.
O PSB, por sua vez, considerou que Ciro deveria buscar aliados ao projeto. Ciro cogitou inclusive buscar os antigos companheiros de bloco parlamentar e, assim, tentar organizar um palanque alternativo ao do PT. O que fez, então, o PDT do ministro do Trabalho, Carlos Lupi? Marcou um almoço para anunciar ainda hoje o apoio à candidatura da ministra Dilma, antes mesmo de o PT lançar oficialmente a candidata. E faz questão de divulgar esse encontro justamente no dia em que Lula está em Recife, para uma conversa olho no olho com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, a respeito do destino de Ciro.
O movimento do PDT, combinado com o Planalto, nada mais é do que uma forma de dizer a Ciro que ele não terá onde lastrear a candidatura presidencial. Lula, com todos os abrigados no governo, deu um jeito de colocá-los sob o guarda-chuva da candidata oficial. E Lupi, como ministro, já havia dito que não teria meios de ficar em outro palanque que não fosse aquele abençoado pelo presidente da República. O PCdoB em breve fará o mesmo.
Com a antecipação do apoio pelo PDT, a tendência é que vários partidos aliados sigam o mesmo caminho. Há um sentimento generalizado na base de que, depois da oficialização do casamento do PT com o PMDB, não sobrará o que negociar nos estados, uma vez que o PMDB é um grande partido e tem apetite voraz por espaços de poder. E na política vale a regra do quem chega primeiro bebe água limpa.
Os gestos políticos registrados neste nascedouro do ano eleitoral indicam que até aqui o presidente conseguiu o que queria. Aos poucos, do alto de uma aprovação monumental, Lula vai se tornando uma espécie de senhor do destino da maioria dos personagens principais das eleições de 2010. Faz o que quer e todos se rendem aos seus apelos. Queria uma eleição plebiscitária e, ao que tudo indica, terá. Quer apresentar as obras e passou por cima do Tribunal de Contas da União na maior pose.
Até aqui, só duas pessoas dentro da base tentaram se opor aos desejos de Lula para a sucessão presidencial: Marina Silva, que terminou saindo do PT depois de um desentendimento por conta das licenças ambientais, e Ciro Gomes, que, aos trancos e barrancos, vai quase como um cavaleiro solitário empunhando a bandeira de uma candidatura que Lula não quer e trabalha contra.
Que Lula queira ser o senhor do destino dos personagens da sua base, vá lá. O chefe é quem manda. Mas o viés do “faço o que quero” começa a romper a barreira do razoável quando se refere à retomada de obras irregulares. Afinal, ninguém se esquece do que houve no TRT de São Paulo, depois da lupa que a CPI do Judiciário colocou sobre as obras do edifício-sede. Quando o tribunal paulista estava em construção, o TCU reclamou, mas a obra continuou. Descobriu-se depois que o juiz Nicolau dos Santos Neto, que era o bambambã do TRT, viveu dias de magnata do petróleo em Miami num carro importado. Nicolau foi preso. O ex-senador Luiz Estevão, do Distrito Federal, à época aliado do governador Joaquim Roriz e suspeito de ser um dos que atuava nos bastidores da obra do TRT, também passou uns dias no xilindró, depois de ter o mandato cassado.
Esse caso foi o mais exemplar de uma obra que caiu na malha fina do TCU. Deu no que deu. Se daqui a alguns anos alguém descobrir um ninho de cobras sob as obras do PAC, quem mandou tudo prosseguir sem investigar a fundo as suspeitas pode terminar manchando uma biografia que até aqui vem embalada pelo alto apoio popular. Afinal, o presidente pode até achar que, por ser popular, pode tudo. Mas, se ultrapassar o limite da lei, não estará a salvo de ver o feitiço virar contra o feiticeiro.
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