'Estados mentais'
folha de são paulo - 23/01/10
BRASÍLIA - Exceto para um brasileiro recém-chegado de Júpiter, já está clara a configuração da eleição presidencial deste ano. Haverá dois postulantes principais: um do PSDB e outro do PT -possivelmente José Serra e Dilma Rousseff.
Ainda assim, por causa de uma idiossincrasia brasileira, a lei proíbe Serra e Dilma de fazerem campanha já. Quem se declarar candidato corre o risco de ser punido por fazer "campanha antecipada". O Código Eleitoral, de 1965, determina: "A propaganda de candidatos a cargos eletivos somente é permitida após a respectiva escolha pela convenção". Nesse caso, "propaganda" é qualquer ato de proselitismo. A lei obriga os partidos a realizarem suas convenções apenas em junho do ano eleitoral. Até lá, é fingimento puro.
A hipocrisia se estende aos congressistas. Um deputado ou senador candidato pode divulgar suas atividades, "desde que não se mencione a possível candidatura". Por conta dessa regra bizantina, PT e PSDB vivem entrando na Justiça. Acusam-se mutuamente de "propaganda fora de hora".
É raro uma ação dessas prosperar. Os candidatos nunca se declaram como tal. Fingem não ter pretensões eleitorais. Os juízes, talvez constrangidos pelo texto esdrúxulo da lei, não punem ninguém.
Faria bem à democracia brasileira se os políticos pudessem, a qualquer tempo, dizer se têm ou não têm pretensão eleitoral. Fora do expediente de trabalho e sem usar o dinheiro público, comícios e debates seriam úteis -e não só nos poucos meses antes da eleição.
O paroxismo da obsessão por tutelar o eleitor se dá quando a lei proíbe usar "meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais".
Esse atraso mental é um entulho autoritário resiliente. Os políticos não se livram do problema porque essa é uma ótima muleta para o jogo de dissimulação dos candidatos.
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