Banqueiros, talebans e o Haiti
FOLHA DE SÃO PAULO - 23/01/10
Fundamentalistas da banca ameaçam sucesso da gestão Barack Obama mais do que a guerra no Afeganistão
A GUERRA que verdadeiramente poderá arruinar a administração Barack Obama não é a do Afeganistão, mas aquela que Vinicius Torres Freire batizou, com a habitual competência, de "guerra contra a banca", em sua coluna de ontem nesta Folha.
O Afeganistão é remoto demais. Qualquer desfecho acabará sendo absorvido, salvo um improvável desenlace tipo Vietnã.
Já na guerra contra a banca, Obama enfrenta um grupo de talebans muito mais fundamentalista e muito mais bem armado para afetar a parte mais sensível do corpo humano (o bolso) e para fazê-lo cotidianamente.
Do extremismo dos gatos gordos da banca e de sua insuperável desfaçatez, diz tudo a tentativa em curso de convencer o mundo de que o tsunami financeiro que varreu o planeta a partir de 2007 é igual ao terremoto do Haiti: nada mais que um fenômeno natural.
É o que fez, entre outros, Lloyd Blankfein (Goldman Sachs), em depoimento ao Congresso dos EUA, durante o qual comparou a crise financeira a um furacão que ninguém poderia ter previsto.
De fato, não foi prevista por nenhum dos economistas-chefes das grandes instituições financeiras, inclusive as brasileiras, incapazes de enxergar um milímetro à frente enquanto se armava a crise. Agora que ela amainou, voltam à arrogância habitual, arrotando caviar depois de comer apenas mortadela.
A estes, vale o conselho de Paul Krugman na sua mais recente coluna, ele que é Nobel de Economia, ao contrário de seus arrogantes colegas do sistema financeiro: "Agora que o Congresso e o governo estão tratando de reformar o sistema financeiro, deveriam ignorar os conselhos provenientes dos supostos sábios de Wall Street, que não tem nenhuma sabedoria a oferecer". Acrescento eu: nem de Wall Street nem da avenida Paulista.
Aos banqueiros, vale a observação de Phil Angelides, presidente da comissão do Congresso que os ouvia: "A crise financeira não foi um ato divino; foi consequência de atos de homens e mulheres".
Tais atos levaram até os executivos-chefes de 50 países, em pesquisa a que a Folha teve acesso, a afirmar que foi a indústria financeira a que sofreu a maior erosão em credibilidade junto ao público, seguida pelo ramo de seguros, parente próximo.
Mas é justo culpar também os bancos centrais, que deixaram um imenso buraco negro na regulação do sistema, o que permitiu aos gatos gordos da banca fazer uma farra de dimensões épicas que só poderia mesmo terminar em uma crise avassaladora.
Volto a Krugman: "Antes ou depois, esse sistema sem freios estava destinado a estourar. E, se não fizermos mudanças fundamentais, voltará a repetir-se".
O que Obama está tentando fazer agora é uma parte das "mudanças fundamentais" a que se refere Krugman. Os gatos gordos reagirão, já estão reagindo, aliás, como mostram os movimentos nas bolsas e no câmbio. É uma reação silenciosa, ao contrário do ruído dos atentados fundamentalistas, mas o perigo é muito maior para Obama -e para todos, como ficou evidente na crise de 2007/2009.
O Afeganistão é remoto demais. Qualquer desfecho acabará sendo absorvido, salvo um improvável desenlace tipo Vietnã.
Já na guerra contra a banca, Obama enfrenta um grupo de talebans muito mais fundamentalista e muito mais bem armado para afetar a parte mais sensível do corpo humano (o bolso) e para fazê-lo cotidianamente.
Do extremismo dos gatos gordos da banca e de sua insuperável desfaçatez, diz tudo a tentativa em curso de convencer o mundo de que o tsunami financeiro que varreu o planeta a partir de 2007 é igual ao terremoto do Haiti: nada mais que um fenômeno natural.
É o que fez, entre outros, Lloyd Blankfein (Goldman Sachs), em depoimento ao Congresso dos EUA, durante o qual comparou a crise financeira a um furacão que ninguém poderia ter previsto.
De fato, não foi prevista por nenhum dos economistas-chefes das grandes instituições financeiras, inclusive as brasileiras, incapazes de enxergar um milímetro à frente enquanto se armava a crise. Agora que ela amainou, voltam à arrogância habitual, arrotando caviar depois de comer apenas mortadela.
A estes, vale o conselho de Paul Krugman na sua mais recente coluna, ele que é Nobel de Economia, ao contrário de seus arrogantes colegas do sistema financeiro: "Agora que o Congresso e o governo estão tratando de reformar o sistema financeiro, deveriam ignorar os conselhos provenientes dos supostos sábios de Wall Street, que não tem nenhuma sabedoria a oferecer". Acrescento eu: nem de Wall Street nem da avenida Paulista.
Aos banqueiros, vale a observação de Phil Angelides, presidente da comissão do Congresso que os ouvia: "A crise financeira não foi um ato divino; foi consequência de atos de homens e mulheres".
Tais atos levaram até os executivos-chefes de 50 países, em pesquisa a que a Folha teve acesso, a afirmar que foi a indústria financeira a que sofreu a maior erosão em credibilidade junto ao público, seguida pelo ramo de seguros, parente próximo.
Mas é justo culpar também os bancos centrais, que deixaram um imenso buraco negro na regulação do sistema, o que permitiu aos gatos gordos da banca fazer uma farra de dimensões épicas que só poderia mesmo terminar em uma crise avassaladora.
Volto a Krugman: "Antes ou depois, esse sistema sem freios estava destinado a estourar. E, se não fizermos mudanças fundamentais, voltará a repetir-se".
O que Obama está tentando fazer agora é uma parte das "mudanças fundamentais" a que se refere Krugman. Os gatos gordos reagirão, já estão reagindo, aliás, como mostram os movimentos nas bolsas e no câmbio. É uma reação silenciosa, ao contrário do ruído dos atentados fundamentalistas, mas o perigo é muito maior para Obama -e para todos, como ficou evidente na crise de 2007/2009.
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