sábado, dezembro 05, 2009

ROBERTO RODRIGUES

A FAO e Copenhague


FOLHA DE SÃO PAULO - 05/12/2009



O produtor precisa ter renda para seguir na atividade, e o consumidor precisa ter renda para comprar os alimentos

Quando vai chegando o fim do ano, acontece algo que é absolutamente invariável: pessoas, instituições, ONGs, governos, empresas -enfim, todos os tipos de organização- fazem balanços do exercício findante, projeções e projetos para os próximos.

Neste 2009, particularmente, tal atitude é ainda mais presente em razão da crise financeira que sacudiu o mundo a partir de meados do ano passado e que vai passando... Depois da tempestade, vem a bonança, diziam os antigos. Será?
Enquanto nos próximos dias a COP-15 discute em Copenhague qual será o futuro das emissões de gases de efeito estufa, com reflexos evidentes sobre a atividade agropecuária planetária, outros organismos internacionais cuidam de definir os mecanismos a adotar em todas as regiões do globo para reduzir o número de pessoas famintas.

Há quase uma década a FAO convocou os países agrícolas a se empenharem num vigoroso programa de combate à fome com o objetivo de reduzir, em 15 anos, o número de desnutridos, então contados em 800 milhões, para a metade.

No recente evento organizado pela mesma instituição, em Roma, ficou claro que o número atual de famintos passa de 1 bilhão, isto é, a FAO não conseguiu, malgrado seus bons propósitos, que os países seguissem as diretrizes por ela estabelecidas, de modo que o número não só não diminuiu como aumentou!

Agora, com o mesmo objetivo, de novo se movimentou a organização da agricultura e alimentação das Nações Unidas, num evento importante, ao qual não faltaram nem o diretor-geral da ONU nem mesmo o sumo pontífice, para não falar das presenças de dezenas de chefes de Estado, entre os quais o presidente Lula.

Todos contra a fome...
De novo foram ouvidos discursos excelentes, recheados de preocupação diante do próprio futuro da paz universal, considerada sob risco dada a imensa quantidade de pessoas mal alimentadas e, portanto, infelizes.

E, de novo, foram tratados todos os temas superconhecidos para a sustentabilidade das cadeias produtivas: tecnologia, infraestrutura, crédito, apoio ao pequeno produtor rural, insumos adequados, organização dos mercados, logística, redução de desperdício, qualidade dos alimentos, eletrificação rural, suprimento de água, agregação de valor, parcerias, extensão rural, redução das barreiras tarifárias e dos mecanismos que distorcem os mercados, treinamento, organização dos produtores, e assim por diante. Tudo falado e discutido milhões de vezes, há décadas.

Mas há duas coisas essenciais para a real sustentabilidade da segurança alimentar: o produtor precisa ter renda para seguir na atividade, e o consumidor precisa ter renda para comprar os alimentos. Os itens relacionados acima devem servir a essas duas chaves.

No primeiro caso -renda do produtor-, o seguro agrícola é essencial; no segundo caso -renda do consumidor-, é preciso investimento para criar mais empregos dignos com remuneração idem. E, até que isso se consolide, programas sociais como o Bolsa Família são uma boa alternativa intermediária, não permanente.

Em ambas as pontas a ação articulada entre o público e o privado é essencial: sem programas consistentes de governos e sem o engajamento das empresas, daqui a dez anos vamos lamentar de novo a incapacidade da FAO de impor ao mundo seus bem elaborados projetos.

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