segunda-feira, dezembro 07, 2009

RICARDO NOBLAT

Uma cidade partida

O GLOBO - 07/12/09

A leitura dos três volumes e dos três apensos do inquérito sobre o mensalão do DEM é um mergulho de perder o fôlego em um denso mar de lama. Está exposto ali em detalhes, e amparado em farta quantidade de provas, o funcionamento da organização criminosa que ascendeu ao poder no Distrito Federal em janeiro de 2007. Espanta pela simplicidade.

Se lhe faltar tempo, leia ao menos o terceiro apenso. Primeira descoberta: o governo de José Roberto Arruda (DEM) é uma extensão do governo anterior de Joaquim Roriz (PMDB), que durou oito anos. Segunda descoberta: os meios exaustivamente empregados para desviar recursos públicos, fraudar licitações e obter dinheiro sujo em nada distinguem as duas administrações. São primitivos, mas eficientes. O que fez a diferença?

Durval Barbosa, um ex-delegado de polícia que responde a 33 processos por corrupção. Como presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), ele se sentiu protegido sob as asas de Roriz. Como secretário de Relações Institucionais do governo Arruda, temeu ir para a cadeia. Então decidiu contar o que sabe à
Polícia Federal. Ainda não contou tudo.

Em 2003, assim que Roriz inaugurou seu novo mandato — o quarto desde 1988 —, Durval foi procurado por Arruda atrás de apoio para se eleger governador em 2006. “Preciso de uma ordem de cima”, esquivouse Durval. Na frente dele, Arruda telefonou a Roriz e anunciou: “Governador, estou aqui na Codeplan. Eu disse a Durval que o senhor me autorizou a me entender com ele”.

Fez-se o entendimento. Arruda recebeu a lista dos contratos firmados pela Codeplan com órgãos públicos e empresas privadas acompanhados do valor mensal de cada um, data de pagamento e data de renovação. Ele passou a se acertar direto com quem prestava serviços à Codeplan, estipulando o valor das comissões a serem pagas como contribuição para sua campanha, e prometendo em troca futuros e gordos contratos.

Arruda atuava com igual desenvoltura na Companhia de Energia de Brasília, no Instituto Candango de Solidariedade, no Metrô de Brasília e no Banco Regional de Brasília. Roriz sempre esteve a par das atividades dele.

Em dois anos, somente a Codeplan ajudou Arruda com algo próximo de R$ 58 milhões. A campanha eleitoral dele custou à companhia exatos R$ 7.985.660,00.

Durval levou um susto ao saber, por meio de uma procuradora do Ministério Público local, que Arruda queria se livrar dele tão logo fosse eleito. Levou outro quando se tornou alvo de reportagens encomendadas por Arruda ao jornal “Correio Braziliense”. Por fim, entrou em pânico ao ser condenado pela primeira vez no Tribunal de Justiça. Arruda prometera que os processos contra ele não iriam adiante. Pois foram.

No dia 21 de outubro último, Arruda convocou Durval para um encontro em sua casa. Comentou, a certa altura da conversa: “O combinado é que o advogado nós vamos pagar, todos. Na hora que eu precisei, você me ajudou”. Disse ainda: “Eu vou fazer com calma uma visita ao presidente do tribunal. Vou ouvir o que ele nos aconselha”. E pediu: “Vá, me oriente, me diga: Arruda, eu preciso que você faça isso”.

O diálogo foi registrado por um equipamento de escuta costurado na roupa de Durval. Àquela altura, ele espionava Arruda com a esperança de se livrar dos processos que implodiram até seu casamento. Há dez dias, uma operação da
Polícia Federal implodiu o governo Arruda. Bateram em retirada 15 secretários e seis partidos que o apoiavam. O DEM deverá expulsá-lo esta semana. Sem partido, Arruda não poderá tentar se reeleger.

No momento, há uma Brasília indignada e outra à beira de um ataque de nervos. A indignada quer ver Arruda no chão. A outra treme por saber que Durval entregou 30 vídeos à polícia e guarda mais de cem, capazes de comprometer políticos, empresários, jornalistas e juízes. Quanto a Roriz, se tiver juízo, desistirá de ser candidato ao quinto mandato.

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