Reina total euforia sobre o estado e as perspectivas da economia brasileira. É um grande contraste com o que ocorria há bem pouco tempo. Em fins de 2002, chegávamos a uma encruzilhada. Mesmo tendo feito progressos importantes (inflação baixa, superávits fiscais recordes e câmbio flutuante), a dívida pública crescia mais que o PIB desde muito. Ali, era imperioso aumentar ainda mais os superávits fiscais. Só que as armas de sempre (aumento de impostos e corte de investimentos) estavam esgotadas. E predominava uma espécie de modelo de expansão dos gastos públicos correntes, que ainda hoje está de pé. Só se evitaria a volta da inflação se os juros caíssem por alguma razão que não um maior ajuste fiscal.
Sorte nossa. Sob a bonança 2002-2008, houve uma inédita inundação de dinheiro externo no País. Em parte, veio de presente (via aumento do valor médio de nossas exportações), em parte sob a forma de financiamentos e aportes de capital. O câmbio desabou, os juros caíram, a economia passou a crescer mais, e a razão entre a dívida e o PIB passou a decrescer celeremente. Pasmem: os resultados fiscais até aumentaram, mesmo sem precisar fazer qualquer esforço adicional.
Antes de a crise estourar, no final de 2008, ficava claro, contudo, que, mesmo o setor público tendo melhorado sua situação de solvência, ele ainda prejudicava o equilíbrio macroeconômico do Brasil. Com os gastos correntes crescendo sempre (e muito), bastava os investimentos privados começarem a subir para valer (como já está de novo acontecendo em nossas plagas), que os gastos totais passariam a superar o produto doméstico global, criando pressões inflacionárias e sobre as contas externas (de novo, exatamente como está acontecendo agora).
Agora, diante da volta à situação pré-crise no Brasil, os analistas se intercalam entre os que aceitam a inevitabilidade da apreciação cambial e dos crescentes déficits externos em conta corrente (déficits esses viabilizados pela brutal entrada de recursos na conta de capital, que permitem inclusive mais aumento de reservas) e os que condenam o suposto modelo de desindustrialização do País que resulta disso tudo.
Aos eufóricos, devagar com o andor. É bom lembrar que parte relevante dos ingressos de dólares não deve se sustentar quando, em breve, a política expansionista nos Estados Unidos começar a ser revertida. Aí a coisa se inverte. Felizmente, teremos um inédito estoque de reservas para aguentar o tranco por uns tempos.
É preciso também não esquecer que o governo aumentou o ritmo de crescimento dos cada vez mais rígidos gastos públicos correntes, como parte da resposta à crise, e há uma enorme bomba de efeito retardado para estourar nos próximos anos. Só por conta de aumento de salários concedidos recentemente estimam-se gastos adicionais totais de R$ 121 bilhões entre 2008 e 2012. No lado do INSS, somente uma medida em exame no Congresso (que o governo felizmente sinalizou vetar) implica aumento de R$ 76 bilhões, de saída. Outras medidas na área da Previdência têm efeito adicional total sobre o gasto de R$ 14,8 bilhões por ano. Isso vai estreitar ainda mais o espaço para o setor privado gastar e - especialmente - investir, ao tempo que diminui a já reduzida taxa de poupança pública.
Finalmente, é erro achar que dá para financiar gastos públicos de peso como os relacionados à Copa e à Olimpíada automaticamente com empréstimos e capitais externos. Primeiro, porque, enquanto os problemas de insolvência voltam a bater à porta dos governos, estamos cada vez mais estatizantes (como se houvesse dinheiro suficiente para isso). Não quisemos implementar parcerias com o setor privado, além de titubearmos nas concessões de serviços públicos. Mesmo a Petrobrás precisa de novos aportes de capital de seu acionista-controlador para poder entrar mais firme no pré-sal. Cadê a poupança pública adicional para isso? Faz sentido o BNDES expandir tanto suas operações?
Aí está o "x" da questão. Para escolher o modelo econômico que queremos implementar (como, por exemplo, uma ênfase em determinados ramos do setor industrial), é preciso nos qualificarmos, apresentando ao mundo uma razoável taxa de poupança interna. É por isso que a China cresce o que cresce, e com a ênfase que quer dar. Ela poupa mais de 50% do PIB e nós nem sequer chegamos a 20%. Não que os meios tenham de ser os mesmos dos chineses, mas o lugar para fazer isso é no setor público, ou seja, é ali que a taxa de poupança interna tem de aumentar (ou começar a crescer).
Nesse sentido, essa acusação de que o modelo atual leva à desindustrialização do País perde bastante sentido, pelo simples motivo de que já abrimos mão do direito de escolher o modelo que queremos para o País quando priorizamos esse processo de crescimento exagerado e contínuo dos gastos correntes do setor público. Resta surfar na onda externa. Com cenário favorável, crescemos mais. Desfavorável, encolhemos. E a onda boa de agora pode transformar em espuma os empregos dos nossos descendentes. |
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