A ameaça da bolha
O GLOBO - 06/12/09
A advertência do Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, de que os grandes fluxos de recursos para o Brasil ameaçam o país com uma bolha financeira, em condições normais de temperatura e pressão deveria ter afetado a Bolsa de Valores e a cotação do dólar. Mas em tempos de exuberância irracional, nada aconteceu. Suas opiniões tiveram o mesmo peso das de um vencedor do Prêmio Nobel de Química que falasse sobre economia
É verdade que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, sentindo cheiro de queimado, apressou-se em rebater os comentários, aqui e também em Lisboa, onde na sexta-feira recebeu o Prêmio Personalidade do Ano 2008 da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira (CCILB).
Lá, ele teve que acalmar investidores europeus e deixou escapar até que deve mesmo permanecer no cargo até o final do mandato do presidente Lula, sem se candidatar em 2010. Tudo para garantir o controle das contas públicas.
Pelo menos até março, com a desconfiança de alguns setores com a deterioração dos fundamentos macroeconômicos, Meirelles vai manter a versão de que continuará no governo. Se tiver que subir os juros para conter a demanda, em alta acelerada no início do ano eleitoral, e não conseguir por injunções políticas, vai ser difícil conter a crise política.
O atual diferencial dos juros pagos no Brasil, já muito acima dos ofertados pela maioria dos países, é a explicação mais imediata para a entrada maciça de capitais.
Mas é inegável que juros mais altos só funcionam se a credibilidade do país é boa, e a nossa está excelente agora, como revela a revista “Newsweek” e já salientou a inglesa “The Economist”, fruto de muitas reformas e de anos de governança macroeconômica equilibrada.
O economista Paul Krugman foi bastante específico na sua análise de longo prazo, citando problemas concretos como a sobrevalorização do real, a falta de infraestrutura e o baixo nível de educação da população brasileira como entraves a que o país se torne uma “superpotência econômica”.
Mas as maiores incertezas sobre o futuro da economia, a curto prazo, giram em torno da área fiscal. O mercado financeiro, tanto local quanto internacional, não parece estar se dando conta da deterioração dos fundamentos econômicos.
Uma voz solitária a levantar dúvidas sobre o que está acontecendo, em relatório de outubro, é Luis Stuhlberger, gestor de fundos Grifo, considerado um dos maiores e melhores gestores de ativos no país e um formador de opinião do mercado.
Primeiro, ele faz uma análise dos últimos anos, desde a implantação do Plano Real, para mostrar como, assim como analisou Krugman, o Brasil “ainda possui grandes desafios” para ser considerado uma “superpotência econômica”, como muitos, inclusive do governo, querem fazer crer.
A taxa média de crescimento do PIB brasileiro tem sido de 2,9% nesse período de 15 anos, embora tenha sido de 4,8% nos últimos cinco anos. Contra uma taxa média de 8,9% no período de 1968 a 1980.
Para Stuhlberger, o que mais preocupa é que a crise internacional serviu de pretexto para o governo retroceder em aspectos importantes da política macro.
Ele cita alguns desses aspectos: as capitalizações no BNDES, a maior participação dos bancos públicos no mercado de crédito e a troca de comando no Banco do Brasil; a força da Petrobras e o desenho do novo marco regulatório do pré-sal, que indicariam que o governo não enxerga mais limites na sua restrição orçamentária; e as investidas contra a Vale do Rio Doce.
Um dos pontos de maior preocupação é a política fiscal expansionista, que ele chama de “keynesianismo tropical”, assim definido: aumento de gastos correntes permanentes, especialmente com o que o economista Raul Velloso chama de “pagamento direto a pessoas”, e não com investimentos em infraestrutura.
De fato, o Brasil gastou apenas 5% em investimentos do setor público em 2008, contra 15% do México. E os gastos com pessoal, previdência, Bolsa-Família e outros chegam este ano a 77% dos gastos totais.
Juntando a isso a participação cada vez maior do PMDB no governo, devido à campanha eleitoral que se avizinha apertada, surge uma inquietação, segundo Luis Stuhlberger: este modelo de estado forte, mais interventor e “protagonista” do crescimento é compatível com reformas econômicas que reduzam a carga tributária e o gasto público? Um problema desse modelo é que ele, segundo Stuhlberger, pressupõe um crescimento elevado, em torno de 4% ao ano, já que está baseado em arrecadação e/ou endividamento crescentes para financiar os aumentos dos gastos correntes e as transferências de recursos para os bancos públicos e empresas estatais. “Se tudo der errado, a conta fechará com inflação mais alta”, adverte.
O mercado, na análise de Luis Stuhlberger, está dando “um waver (perdão) gigante para as decisões equivocadas do governo” devido à abundância da liquidez internacional e o elevado grau de confiança que o Brasil conquistou nos últimos anos.
O estudo de Luis Stuhlberger mostra, por exemplo, que os reajustes concedidos ao funcionalismo federal durante o governo Lula foram “totalmente fora da realidade”.
Enquanto o salário médio da economia teve taxa de crescimento real de apenas 0,4% entre 2002 e 2009, segundo o IBGE, o aumento real do funcionalismo federal variou de 12,1% a 61,8%.
A análise mais corrente no mercado financeiro é de que a médio e longo prazos, se houver problema, o futuro presidente resolverá fazendo os ajustes necessários.
Já na análise política, a pergunta é se o sucessor de Lula, seja ele quem for, terá condições de governar se o ajuste necessário lá na frente ficar muito duro diante da irresponsabilidade do presente.
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