domingo, dezembro 06, 2009

BRASIL S/A

Danos colaterais

CORREIO BRAZILIENSE - 06/12/09


Políticos querem se convencer de que grosso da corrupção é caixa 2 de campanha, não um processo


O novo escândalo no poder, batizado de “mensalão do DEM”, outra vez baratinou os líderes políticos. Uns, cobrados a explicar a mão na botija gravada em vídeo. Outros, instados a condenar os pecados alheios. Todos com a sensação de que já não convencem ninguém.

Não há o que convencer. A roubalheira na política e na gestão do Estado se tornou meio de vida. É um processo com raízes profundas, vem de longe, está mais que estudado, assim como identificadas as suas causas e os meios de minimizá-las. Dificilmente vai diminuir.

Não pelo menos enquanto prosperar a lenda entre as lideranças dos partidos e a academia de que apenas a reforma política e eleitoral redimirá a atividade parlamentar. O presidente Lula relançou essa proposta, para ele, viabilizada por uma Assembleia Constituinte, ao ser indagado sobre as imagens, divulgadas pela
Polícia Federal, de políticos do Distrito Federal pegando propinas.

“Enquanto não tiver uma reforma política, nós vamos ser pegos de sobressalto com notícias dessa magnitude”, Lula argumentou. É uma tese respeitável. Mas antes cabe considerar o que poderia ajudar a reduzir a roubalheira o financiamento público de campanha, o voto em listas de candidatos indicados pelos partidos e não no nome do postulante a um mandato parlamentar — tópicos das duas propostas de reforma formuladas pelo governo Lula e paradas no Congresso.

O corolário é que as malfeitorias na política se atém a questões de custeio das campanhas eleitorais dos partidos e candidatos. Não bastariam o horário eleitoral em TV e rádio dado aos partidos e o acesso ao fundo partidário suprido com verbas do orçamento fiscal.

É muito dinheiro, ao qual se adiciona o custo da base regional de deputados e senadores, incluindo aluguel de escritório, assessores e cota de combustível, pago pelo Congresso, sem qualquer restrição de uso dos benefícios mesmo em períodos eleitorais. Trata-se de um privilégio usufruído por candidatos à reeleição sobre os calouros.

Os políticos querem se convencer, e aos eleitores, de que é só do que se trata o grosso da corrupção em que seus pares são flagrados com frequência embaraçosa: a contabilização em caixa 2 das doações de empresas aos partidos e o custeio paralelo de gastos que seriam glosados pela Justiça eleitoral — coisas que “todos fazem”, como alegou Lula ao tentar justificar em 2006 o mensalão do PT. É o que também argúem os tucanos enredados em seu mensalão, ou caixa 2.

Compulsão ao ilícito

E se a sociedade aceitasse gastar mais dinheiro público com os partidos? O problema provavelmente continuaria do mesmo tamanho, já que, à luz das diligências policiais e do
Ministério Público, o desvio é menos por razões eleitorais que pela compulsão à fortuna ilícita de parte dos políticos e da burocracia conluiada durante o exercício dos mandatos. E isso em Brasília e instâncias regionais.

O custeio de campanhas é o menor dos problemas, até porque menos frequentes. O terror começa depois das eleições. Mas não apenas a pretexto de assegurar ao governante condições de governabilidade, o que passa pela administração compartilhada com os partidos da base de apoio, e, sim, com fins mercantilistas. Esse é o cancro.

Tudo muda e continua

E de onde vem o dinheiro? Do lugar de sempre: o Tesouro público, por meio de licitações viciadas, obras superfaturadas, contratos propositalmente mal redigidos e não fiscalizados e por aí vai. Do empresário-cúmplice sai o molha-mão ao intermediário e daí se faz a distribuição. As administrações mudam, os partidos se alternam, os esquemas se transformam, mas são os mesmos. Na construção e em serviços, como empreitagem de mão de obra terceirizada, suporte a redes de dados, call centers, limpeza predial, as atividades onde as irregularidades são mais habituais. E como se sabe?

Está registrado

Os relatórios do Tribunal de Contas da União têm o que se precisa para refazer o caminho das malfeitorias. A Controladoria-Geral da União também vem tendo papel-chave no cerco à corrupção no governo central, especialmente na gestão atual, do ministro Jorge Hage. E em vários estudos de técnicos da Consultoria de Orçamento tanto da Câmara como do Senado estão diagnósticos precisos sobre as causas das irregularidades e propostas para corrigí-las. Os estudos sobre mitos em torno do TCU e as transferências voluntárias da União a estados e municípios, ambos recentes, são imperdíveis como pontos de partida para moralizar a aplicação dos dinheiros públicos. Quem sabe, depois, aí sim, examinar a necessidade de reforma política.

Didática do pré-sal

Já agora está se criando outro maná de desperdícios e desvios com a revisão das regras de partilha dos royalties do pré-sal. Estudo de dois professores do London School of Economics, que veremos em outra coluna, detectaram ser irrisório o efeito dos royalties para a melhora dos níveis sociais dos municípios hoje beneficiados, não obstante os acréscimos de receitas sejam significativos. Segundo eles, há evidências de que o “dinheiro desaparecido” se esvai pelo ralo da corrupção. Há propostas para direcionar os royalties para programas sociais, como saneamento. Os deputados a ignoraram. Os senadores terão a sua vez. Acompanhe a discussão. Ela é didática.

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