segunda-feira, novembro 23, 2009

PAULO GUEDES

Pontes de papel e alicerces do futuro

O GLOBO - 23/11/09


Nos anos 20 do século passado, o brilhante economista John Maynard Keynes vislumbrava pontes de papel sobre o Oceano Atlântico: “A recuperação econômica da Alemanha depende de um enorme fluxo circular de papéis, com os Estados Unidos dando empréstimos à Alemanha, que usa os recursos para reparações de guerra feitas à Inglaterra e à França, que por sua vez pagam suas dívidas com os Estados Unidos.” A ciranda financeira era um esforço para a manutenção da atividade econômica mundial após a I Grande Guerra.

Na primeira década do século XXI, as pontes de papel estão sobre o Pacífico. O excesso de poupança dos asiáticos estimulou o extraordinário endividamento dos americanos. Especialmente os chineses financiam os gastos excessivos dos Estados Unidos, que por sua vez se transformam em mais exportações, maior crescimento e novos empregos. O esforço das autoridades tanto na China quanto na América é não deixar que se queimem as pontes de papel na tentativa de manter sua prosperidade econômica.

Como sabia Keynes à época que era insustentável a antiga ordem, e inevitáveis as mudanças, sabemos hoje que também se aproxima do esgotamento a simbiose sino-americana.

O capitalismo desimpedido exigiria ajustamentos fulminantes. As quedas de preços de ações e imóveis na América derrubariam o consumo. A falência das agências americanas de crédito imobiliário dissolveria mais de US$ 1 trilhão acumulados em manipulações cambiais pelo Banco Central da China. A desvalorização do dólar e a valorização do yuan seriam inevitáveis. O abalo do status do dólar como moeda de reserva da economia global interromperia os abusos do Federal Reserve, o banco central americano, em sua emissão descontrolada. E o modelo chinês de crescimento teria de se basear no consumo interno, evitando a deflagração da guerra mundial por empregos.

Este não é, entretanto, o mundo em que vivemos.

Permanecem sob controle das autoridades preços críticos da economia global, como as taxas de juros na América e a cotação dólar/yuan manipulada pela China. Temos pela frente um longo período de reflação da demanda global. É nesse ambiente global de liquidez abundante, taxas de juros artificialmente baixas, preços de commodities inflados, manipulação cambial e guerra mundial por empregos que a economia brasileira se deslocará no futuro próximo.

A liquidez abundante, o excesso de oferta de mão de obra não qualificada e a disponibilidade de novas tecnologias tornam o empreendedorismo o fator escasso e, consequentemente, o mais valioso da nova ordem econômica mundial. Desse empreendedorismo dependeremos também para a recuperação de nossa dinâmica de crescimento, baseada em um mercado interno de consumo de massas. Sua missão é mobilizar e coordenar fatores de produção críticos a nosso desempenho futuro: educação, logística e fontes de energia renováveis.

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