Há algum tempo se discute o poder de investigação do Ministério Público (MP). Sustenta a maior parte dos opositores, com argumentos de viés corporativista, caber tão somente à polícia a investigação criminal. Outros, e de forma até compreensível, são os que se tornaram réus a partir de investigações presididas pelo MP e que têm, às vezes, como única defesa a tentativa de desqualificá-las com o objetivo de anular o processo-crime contra eles iniciado.
Os argumentos contrários à atuação do MP no campo da investigação criminal são frágeis e não resistem a uma análise técnica. A instituição detém com exclusividade a titularidade da ação penal pública (artigo129, I, da Constituição federal). Nada mais natural que lhe caiba, como senhor da ação (dominus litis) que é, promover e dirigir a investigação criminal em casos pontuais - naqueles em que o interesse público o exige.
Não se pode, entretanto, confundir o poder de investigação do MP com a função rotineira da polícia, que é a de investigar os crimes de qualquer natureza. Jamais o MP buscou isso. O que se afirma é que possa a instituição exercer - como, aliás, vem fazendo há mais de uma década - paralelamente à polícia, e de forma concorrente, o poder de presidir e realizar investigação criminal em casos especiais e, sempre, de forma excepcional.
Dentre as várias funções institucionais do MP, como a proteção do meio ambiente, do consumidor, o combate à improbidade administrativa e outras, o carro-chefe é, sem dúvida, a área criminal. É nos esforços que a sociedade desenvolve para coibir a criminalidade organizada que o MP deve empregar suas energias e suas ações.
No início da década de 1990, o Ministério Público do Rio de Janeiro, comandado pelo então procurador-geral de Justiça Antonio Carlos Biscaia, desencadeou investigações para combater o crime organizado, especialmente os chamados "barões" do jogo do bicho. A ação pioneira - no estilo da Operação Mãos Limpas, da Itália - alcançou repercussão internacional. Convidado pela administração Bill Clinton, Biscaia formou um grupo com promotores e procuradores de Justiça de alguns Ministérios Públicos estaduais para acompanhar nos EUA o trabalho desenvolvido pelos promotores federais norte-americanos no combate ao crime organizado.
No ano de 1995, imergimos num "programa de cooperação técnica" desenvolvido pelo Departament of Justice (Ministério da Justiça) e observamos o trabalho dos agentes federais norte-americanos com meios e recursos de que, infelizmente, não dispomos. No Brasil nem sequer havia lei para o combate à lavagem de dinheiro e para o emprego da interceptação telefônica como mecanismo de investigação.
Não se questiona nos EUA o poder de investigação dos promotores. Os crimes de interesse nacional têm suas investigações por eles coordenadas, cabendo-lhes traçar as linhas mestras das ações.
Ao longo destes anos, no Brasil, o MP tem caminhado nesse sentido, em que pesem as iniciativas de alguns para derrubar ou comprometer esse poder de investigação, que, em verdade, lhe é inerente.
O Ministério Público, instituição autônoma, tem seus membros dotados de garantias constitucionais, que lhes permitem atuar com independência e imparcialidade, requisitos básicos para uma eficaz investigação, especialmente quando envolve determinados agentes públicos. E não estamos imunes a ameaças, na maior parte das vezes veladas, restando-nos continuar o trabalho com a imparcialidade de antes.
A instituição vem exercendo, desde há muito, o controle da atividade policial, com a supervisão dos inquéritos policiais e de medidas de investigação (interceptações telefônicas, prisões cautelares, etc.), o que permite intervir nesses procedimentos para coibir ilegalidades e suprir omissões ou falhas.
Por ser o MP o destinatário final da investigação realizada pela polícia é que lhe cabe dizer - quando da requisição do inquérito policial, no curso dele ou quando findo - quais as diligências imprescindíveis à formação da opinio delicti, as que servirão para lastrear a denúncia ou a promoção do arquivamento da investigação.
Promulgada a Constituição da República vigente, em 1988, a fiscalização da atividade policial, exercida pelo MP e fulcrada em legislação infraconstitucional, consolidou-se, passando a ser prevista na Carta Magna, que a intitulou "controle externo da atividade policial" (artigo 129, VII).
Indaga-se aos contrários ao poder de investigação do MP: como realizar com eficácia e resultados o controle externo da atividade policial sem o instrumento da investigação para fazê-lo? Retirar o poder de investigação do MP seria o puro esvaziamento dessa atribuição consagrada constitucionalmente.
Entender que o mesmo MP ao qual cabe intervir na investigação feita pela polícia não possa investigar é um verdadeiro nonsense.
Não há dúvida de que para coibir eventuais ilegalidades no trabalho de investigação do MP o controle formal dessas investigações se faz necessário. Controlar a investigação, sim, impedi-la a pretexto de cometimentos de ilegalidades, não.
O Conselho Nacional do Ministério Público, ao editar a Resolução nº 13/06, já se mostrou atento e sensível à necessidade de disciplinar e uniformizar - no âmbito dos Ministérios Públicos do País - a instauração e a tramitação do procedimento investigatório criminal.
E na mão da História veio a recente decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, relatada pelo ministro Celso de Mello, que reconheceu o poder de investigação do Ministério Público. Espera-se agora que a decisão reflita a dos demais ministros da Corte Suprema do País.
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