FOLHA DE SÃO PAULO - 29/11/09
Brasília foi transformada em fonte nacional, modelo e proteção da indignidade política e administrativa
O NOVO modelo de mensalão descoberto em Brasília contém ao menos três motivos para demonstrar-se de muita utilidade: explica bastante Brasília, o que são hoje os nossos centros de poder político-administrativo, e esta outra inovação brasileira que é a "base aliada".
Brasília só é capital de República Federativa no papel, porque nem se constituiu no Brasil o regime republicano, nem a centralização do poder no governo federal permite aos Estados os poderes próprios de uma federação. Para os efeitos práticos, Brasília caracterizou-se, primeiro, como contribuição fundamental para a longa permanência da ditadura, ao proporcionar o isolamento que protegeu de reações cívicas diretas, desconcentrando-as por algumas capitais, o poder arbitrário e o Congresso colaboracionista.
Finda essa fase, Brasília foi entregue à desordem política, com a improvisação de um presidente que nem pôde presidir propriamente. E logo enveredou pela devassidão crescente dos poderes públicos, a ponto de se fazer necessário um impeachment presidencial. Brasília foi transformada em fonte nacional, modelo e proteção da indignidade política e administrativa. Onde isso dará não se sabe, nem se vê algum núcleo de inteligência -acadêmica, jornalística, política- interessado na realidade como problema degenerativo e como passagem para o futuro.
Utilização fisiológica da política sempre houve, mas os graus e modalidades praticados desde a "redemocratização" não têm precedente. O que também atesta permissividade irrestrita. Nessa progressão, o conceito de "base aliada" e sua aplicação têm muita relevância: integraram as imoralidades fisiológicas, entre governo e correntes parlamentares, nas práticas aceitas como normais, justificadas e legais da política e mesmo das instituições.
Desenvolvido com Fernando Henrique e aprimorado e ampliado com Lula, o mecanismo de "base aliada" não é um nome novo para o anterior situacionismo ou governismo, que aglomerava as correntes comprometidas com o governo. E não excluía certo fisiologismo, mas sem a explicitude da compra-e-venda hoje normalizada e, quase sempre, com um traço bastante pessoal, de identificação ou de retribuição.
O fisiologismo de hoje adota a aquisição direta e explícita. A "base aliada" é um conjunto de congressistas, puxados ou não por seu partido, que se dispõem a apoiar o governo. Mediante condições, no entanto. Nas quais predominam os cargos que o congressista ocupe com asseclas, para intermediar contratações e compras, para receber comissões ou mensalidades, e para distribuir mais nomeações. Em seguida vem a liberação de verbas públicas, das quais o congressista extrai ganhos eleitorais e, com frequência, financeiros, já que as verbas em geral se destinam a obras, compras e serviços contratados.
Com o novo mecanismo consagrado pela "base aliada", não importa se o partido a integra. Desde o seu comando a cada parlamentar, o compromisso de apoio ao governo é apenas nominal. Daí as constantes divisões das bancadas partidárias diante de propostas governamentais ao Congresso. Mais visíveis ainda quando se trata de medida provisória, que aumenta a predisposição do governo a fechar negócio.
É, portanto, o primado da corrupção em lugar da política, da função parlamentar e do compromisso eleitoral. Como efeito mais alto, o Executivo subjuga o Legislativo e o presidente da República adota maneiras imperiosas de poder, na base do é ou será porque eu quero. Sejam dezenas de bilhões para armamentos polêmicos mesmo entre os militares, mudança de leis para possibilitar negócios de telefonia também bilionários, a candidata é essa e ali será aquele -e pronto.
Para relembrar a diferença entre o mínimo desejável e o país das "bases aliadas", é só atentar para o que se passa com o plano de proteção à saúde proposto por Barack Obama. Mais repelido pelo forte conservadorismo norte-americano do que a soma das propostas já feitas por Lula, o projeto de Obama não o levou a mais do que uma dedicação sem trégua à tarefa republicana de explicar e tentar convencer, por meses sucessivos, os resistentes. Já venceu duas etapas importantes, na Câmara e no Senado, e conquistou influentes revisões nos meios de comunicação. Não consta que haja comprado alguém. E é certo que não institucionalizou a corrupção em seu país.
Brasília só é capital de República Federativa no papel, porque nem se constituiu no Brasil o regime republicano, nem a centralização do poder no governo federal permite aos Estados os poderes próprios de uma federação. Para os efeitos práticos, Brasília caracterizou-se, primeiro, como contribuição fundamental para a longa permanência da ditadura, ao proporcionar o isolamento que protegeu de reações cívicas diretas, desconcentrando-as por algumas capitais, o poder arbitrário e o Congresso colaboracionista.
Finda essa fase, Brasília foi entregue à desordem política, com a improvisação de um presidente que nem pôde presidir propriamente. E logo enveredou pela devassidão crescente dos poderes públicos, a ponto de se fazer necessário um impeachment presidencial. Brasília foi transformada em fonte nacional, modelo e proteção da indignidade política e administrativa. Onde isso dará não se sabe, nem se vê algum núcleo de inteligência -acadêmica, jornalística, política- interessado na realidade como problema degenerativo e como passagem para o futuro.
Utilização fisiológica da política sempre houve, mas os graus e modalidades praticados desde a "redemocratização" não têm precedente. O que também atesta permissividade irrestrita. Nessa progressão, o conceito de "base aliada" e sua aplicação têm muita relevância: integraram as imoralidades fisiológicas, entre governo e correntes parlamentares, nas práticas aceitas como normais, justificadas e legais da política e mesmo das instituições.
Desenvolvido com Fernando Henrique e aprimorado e ampliado com Lula, o mecanismo de "base aliada" não é um nome novo para o anterior situacionismo ou governismo, que aglomerava as correntes comprometidas com o governo. E não excluía certo fisiologismo, mas sem a explicitude da compra-e-venda hoje normalizada e, quase sempre, com um traço bastante pessoal, de identificação ou de retribuição.
O fisiologismo de hoje adota a aquisição direta e explícita. A "base aliada" é um conjunto de congressistas, puxados ou não por seu partido, que se dispõem a apoiar o governo. Mediante condições, no entanto. Nas quais predominam os cargos que o congressista ocupe com asseclas, para intermediar contratações e compras, para receber comissões ou mensalidades, e para distribuir mais nomeações. Em seguida vem a liberação de verbas públicas, das quais o congressista extrai ganhos eleitorais e, com frequência, financeiros, já que as verbas em geral se destinam a obras, compras e serviços contratados.
Com o novo mecanismo consagrado pela "base aliada", não importa se o partido a integra. Desde o seu comando a cada parlamentar, o compromisso de apoio ao governo é apenas nominal. Daí as constantes divisões das bancadas partidárias diante de propostas governamentais ao Congresso. Mais visíveis ainda quando se trata de medida provisória, que aumenta a predisposição do governo a fechar negócio.
É, portanto, o primado da corrupção em lugar da política, da função parlamentar e do compromisso eleitoral. Como efeito mais alto, o Executivo subjuga o Legislativo e o presidente da República adota maneiras imperiosas de poder, na base do é ou será porque eu quero. Sejam dezenas de bilhões para armamentos polêmicos mesmo entre os militares, mudança de leis para possibilitar negócios de telefonia também bilionários, a candidata é essa e ali será aquele -e pronto.
Para relembrar a diferença entre o mínimo desejável e o país das "bases aliadas", é só atentar para o que se passa com o plano de proteção à saúde proposto por Barack Obama. Mais repelido pelo forte conservadorismo norte-americano do que a soma das propostas já feitas por Lula, o projeto de Obama não o levou a mais do que uma dedicação sem trégua à tarefa republicana de explicar e tentar convencer, por meses sucessivos, os resistentes. Já venceu duas etapas importantes, na Câmara e no Senado, e conquistou influentes revisões nos meios de comunicação. Não consta que haja comprado alguém. E é certo que não institucionalizou a corrupção em seu país.
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