| | | |
Sudhir Venkatesh é um sociólogo, pesquisador da Universidade de Columbia, em Nova York. O que estuda Venkatesh? Prostitutas. Há muitas categorias de prostitutas, desde as mais elegantes, ocultas e caras, até as mais baratas e visíveis. Entre as com menos prestígio e mais risco estão as de rua, exatamente as que o leitor vê esperando ou buscando fregueses. É esse tipo de prostituta que Venkatesh pesquisou em Chicago.
Diariamente, as prostitutas têm uma “janela de oportunidades” para trabalhar. Durante boa parte do dia a clientela potencial trabalha ou estuda. Parte significativa dos clientes talvez tenha obrigações familiares, o que reduz os horários e os dias da semana disponíveis. Somando tudo, dá, na média, 13 horas de trabalho por semana, durante as quais elas fazem sexo dez vezes. Para cada hora no trabalho, recebem US$ 27, ou US$ 1.400 — R$ 2400.
Muitas têm outros trabalhos, quase sempre pouco qualificados. A literatura romântica descreve a prostituição de muitas como um suplemento da renda familiar. Elas existem. Não obstante, a mulher de classe média casada ou a estudante universitária que usa a prostituição como suplementação de renda raramente está nas ruas. Pratica outro tipo de prostituição, inclusive virtual.
Na prostituição de rua, a função se inverte. A prostituição é a principal fonte, mas muitas têm outros trabalhos para suplementar a renda da prostituição. Venkatesh nos diz que a renda horária das demais atividades é quatro vezes menor. Se a prostituição de rua paga pouco, as atividades suplementares pagam bem menos. São exercidas nos horários “vazios”.
As prostitutas de hoje recebem menos do que as de décadas atrás. Por que? Em Superfreakonomics, Steven Levitt e Stephen Dubner sugerem que a liberação sexual da mulher é responsável pelo empobrecimento das prostitutas. Levitt e Dubner usam, mais uma vez, o olhar do mercado. Poucos pagam pelo que podem obter de graça. Há duas gerações, a perda da virgindade de uma percentagem significativa dos homens era com uma prostituta. Esses números baixaram muito. Em outra pesquisa americana, recente, apenas 5% tiveram a primeira experiência sexual com uma prostituta. Os valores sexuais contribuíram pesadamente: a infidelidade já foi motivo para o divórcio em muitos países, e crime em vários. Isso mudou muito. Recentemente, as festas sem casais de adolescentes e jovens adultos, onde muitos ficam com muitos e alguns continuam depois da festa, trivializaram o sexo. Para essa população, uma prostituta não faz sentido. Sobram poucos para a clientela das prostitutas.
Há quem exalte o glamour da profissão. Não é o que pensam as profissionais, nem é o que concluem as pesquisas. Não há glamour. As prostitutas, ainda hoje, enfrentam três grandes tipos de problemas: as doenças venéreas, a violência e a gravidez não desejada.
A prostituta entra na profissão “por baixo”. Uma pesquisa financiada pelo National Institute of Justice demonstra que muitas começam a carreira como menores de idade e usam o que ganham para financiar o uso de drogas e/ou para evitar morar na rua. Recuando no tempo — e na explicação — um número muito grande veio de famílias desestruturadas, marcadas pela droga, alcoolismo e violência, e muitas dessas jovens sofreram abuso (físico, sexual ou psicológico) em casa. Fugiram de casa (runaways) ou foram expulsas de casa (throwaways).
Fica pior depois. As prostitutas talvez tenham a mais alta taxa de vitimização homicida de qualquer grupo de mulheres, como demonstraram Potterat e associados em Mortality in a Long-Term Open Cohort of Prostitute Women, American Journal of Epidemiology 159 (8) (April 2004): 778–85. Três das 160 prostitutas estudadas por Venkatesh morreram durante a pesquisa. A média anual de incidentes de violência contra cada prostituta era doze, um por mês. Quem são as prostitutas assassinadas?
Jonathan Dudek estudou 123 delas. Sua pesquisa revelou que, nos homicídios individuais, as motivações sexuais eram minoritárias, ao passo de que a motivação dos serial killers de prostitutas era quase sempre sexual. As vítimas se concentraram na faixa dos vinte e muitos aos trinta e poucos, e 60% eram negras. Nada menos do que 85% se prostituíam para pagar pelas drogas que consumiam.
Voltando aos clientes. Quem são os clientes que sobraram? Quem busca prostitutas hoje? São diferentes grupos. Um deles é composto por homens solitários, muitos dos quais são tímidos, se sentem inadequados com mulheres comuns, mas não com prostitutas. Outro é composto por homens casados ou com parceiras regulares que buscam tipos de sexo que não praticam com suas parceiras, seja porque elas não aceitam, seja porque eles não aceitam praticá-lo com elas (hipocrisia que divide o sexo em dois grupos — o que pode ser feito com a parceira e o que só se pode fazer com prostitutas). Na espreita, esperando oportunidade, os que querem machucar.
Gláucio Ary Dillon Soares -Sociólogo, pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) |
Nenhum comentário:
Postar um comentário