Quem não se comunica...
FOLHA DE SÃO PAULO - 14/11/09
CELULARES gratuitos para os beneficiários do Bolsa Família. A ideia, capaz de provocar inveja no mais delirante marqueteiro, foi apresentada ao presidente Lula pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, e conta com a previsível simpatia das empresas do setor.
Fechando um circuito de generosidades que interliga a sucessão presidencial, as aspirações de Hélio Costa ao governo de Minas Gerais, a população pobre e os interesses das telefônicas, a ideia -nestes tempos de apagão- terá parecido luminosa.
Tão luminosa que salta aos olhos o seu intuito eleitoreiro, do qual só o ministro aparenta duvidar. Se a atitude de "atender às pessoas mais pobres" tem alguma função eleitoral, declarou Costa, "alguém vai ter que me mostrar isso, e nós, evidentemente, vamos atrasar o projeto até depois das eleições."
Alcançando quase 12 milhões de famílias, o programa de transferência de renda do governo Lula tem evidente efeito eleitoral -aspecto que, aliás, não o desqualifica. Trata-se de oferecer, em troca de assiduidade escolar e aos postos de saúde, uma base mínima de sobrevivência para o estrato mais carente da população, necessidade incontestável num país como o Brasil.
De recurso paliativo, o Bolsa Família vai seguindo entretanto um roteiro de desvirtuamento. Em vez de medir o sucesso do programa pela diminuição do número dos que dele necessitam, o Executivo tem se empenhado em estendê-lo ainda mais.
Mesmo para os padrões do populismo, a ideia dos celulares gratuitos chama contudo a atenção pelo que tem de bizarro, de extravagante, de inessencial. Por que não cimento e tijolos, iogurte ou dentaduras, chinelos ou computadores, filtros de água ou cápsulas de vitamina?
O próprio ministro das Comunicações explica: é que o mercado de telefonia móvel já atingiu seus limites de expansão nas faixas de maior renda. Trata-se de ampliar a freguesia, nas classes D e E. As empresas agradecem.
"Vocês querem celular?", poderia perguntar o ministro Hélio Costa, a exemplo do Chacrinha, aos beneficiários do Bolsa Família. A resposta só pode ser: "Sim, é claro". Afinal, quem não se comunica se trumbica.
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