O GLOBO - 26/10/09
“Que semana infernal, não?” — perguntei por telefone a uma amiga que mora no Jardim Botânico, no Rio. “Exagero. Circulei livremente e não ouvi um tiro”, respondeu. De Vila Isabel, outro amigo me disse: “Fora a queda do helicóptero da polícia, não aconteceu nada de extraordinário”. E a morte do cara do AfroReggae? “Todo dia morre gente”.
Eu estava no Rio quando foi assassinada em 22 de novembro de 2006 a socialite Ana Cristina Giannini Johannpeter. Ela dirigia sua caminhonete blindada MercedesBenz e parou diante do sinal fechado na esquina da Rua General San Martin com Avenida Afrânio de Melo Franco, no Leblon, a cerca de 150 metros da 14ª Delegacia de Polícia. Cristina baixou o vidro para fumar.
Dois bandidos, que estavam em uma bicicleta, encostaramse ao carro, e um deles apontou para Cristina um revólver calibre 38, ameaçandoa: “Eu não quero o carro. Só as suas coisas”. Cristina entregou a bolsa, o celular e, ao se preparar para tirar o relógio do pulso, tirou sem querer o pé do freio. Como o carro era hidramático, movimentou-se sozinho. O bandido atirou na cabeça de Cristina.
Fiz uma ronda por bares e restaurantes do Leblon na noite do dia seguinte. O assassinato de Cristina era o assunto na maioria deles. Mas, para meu espanto, ouvi repetidas censuras ao comportamento da morta. Como uma milionária dirigia o próprio carro? Como não havia seguranças ao seu lado? Por que baixou o vidro? Como pôde ser tão descuidada a ponto de tirar o pé do freio?
A sociedade carioca está sedada pela violência que fez 46 mortos em apenas uma semana.
O número de favelas cresceu de 750, em 2004, para 1.020 neste ano. Cerca de 500 são controladas pelo tráfico.
Quem o sustenta é quem tem dinheiro. E quem tem dinheiro mora no asfalto. A violência é o pedágio que os cariocas pagam aparentemente conformados para que uma parte deles possa continuar se drogando.
O noticiário costuma informar: “A polícia invadiu o morro tal”. Como se os morros fossem territórios independentes da cidade, dotados de governos próprios que mantêm relações econômicas com outros países do continente, a exemplo da Bolívia, Paraguai e Colômbia. E de certa forma é o que eles são. Nessas áreas de escandalosa exclusão social, a presença do Estado é rarefeita ou inexistente.
Compete à Polícia Federal combater o narcotráfico.
Quantas vezes ela foi vista escalando morros? Compete ao governo federal vigiar as fronteiras do país. É ridículo o número de policiais ocupados com a tarefa. Faltam equipamentos e gente para fiscalizar o desembarque de cargas nos portos. Até agosto, para modernizar sua polícia, o Rio só havia recebido R$ 12 milhões dos quase R$ 100 milhões prometidos pelo governo federal.
Adiantaria ter recebido mais? Em 2009, estão previstos investimentos de R$ 421 milhões na segurança pública do Rio. Só foram liquidados R$ 102 milhões até agora — 24,2% do total. Em três anos de governo Sérgio Cabral, o total de investimentos em segurança deverá ser de R$ 804.818,00. De fato, não mais do que 40% dessa grana já foram aplicados. O governo se cala a respeito.
Vez por outra, sob o impacto de algum episódio mais brutal, contingentes cada vez menores de cariocas vão às ruas pedir paz. O poder público responde com invasões temporárias de morros, a morte de bandidos ou de meros suspeitos, a apreensão de armas e o afastamento de policiais corruptos.
Quando um capitão libera um assassino em troca de uma jaqueta e de um par de tênis é porque a instituição à qual pertence apodreceu.
O problema do Rio não é de paz — é de enfrentamento. A situação de insurgência só se agravou com o descaso dos governos e a arraigada cultura local de tolerância com a malandragem e o banditismo.
O Estado brasileiro carece de um plano consistente, amplo e ambicioso para salvar o Rio. E o que é pior: os cariocas parecem não se importar muito com isso.
“Que semana infernal, não?” — perguntei por telefone a uma amiga que mora no Jardim Botânico, no Rio. “Exagero. Circulei livremente e não ouvi um tiro”, respondeu. De Vila Isabel, outro amigo me disse: “Fora a queda do helicóptero da polícia, não aconteceu nada de extraordinário”. E a morte do cara do AfroReggae? “Todo dia morre gente”.
Eu estava no Rio quando foi assassinada em 22 de novembro de 2006 a socialite Ana Cristina Giannini Johannpeter. Ela dirigia sua caminhonete blindada MercedesBenz e parou diante do sinal fechado na esquina da Rua General San Martin com Avenida Afrânio de Melo Franco, no Leblon, a cerca de 150 metros da 14ª Delegacia de Polícia. Cristina baixou o vidro para fumar.
Dois bandidos, que estavam em uma bicicleta, encostaramse ao carro, e um deles apontou para Cristina um revólver calibre 38, ameaçandoa: “Eu não quero o carro. Só as suas coisas”. Cristina entregou a bolsa, o celular e, ao se preparar para tirar o relógio do pulso, tirou sem querer o pé do freio. Como o carro era hidramático, movimentou-se sozinho. O bandido atirou na cabeça de Cristina.
Fiz uma ronda por bares e restaurantes do Leblon na noite do dia seguinte. O assassinato de Cristina era o assunto na maioria deles. Mas, para meu espanto, ouvi repetidas censuras ao comportamento da morta. Como uma milionária dirigia o próprio carro? Como não havia seguranças ao seu lado? Por que baixou o vidro? Como pôde ser tão descuidada a ponto de tirar o pé do freio?
A sociedade carioca está sedada pela violência que fez 46 mortos em apenas uma semana.
O número de favelas cresceu de 750, em 2004, para 1.020 neste ano. Cerca de 500 são controladas pelo tráfico.
Quem o sustenta é quem tem dinheiro. E quem tem dinheiro mora no asfalto. A violência é o pedágio que os cariocas pagam aparentemente conformados para que uma parte deles possa continuar se drogando.
O noticiário costuma informar: “A polícia invadiu o morro tal”. Como se os morros fossem territórios independentes da cidade, dotados de governos próprios que mantêm relações econômicas com outros países do continente, a exemplo da Bolívia, Paraguai e Colômbia. E de certa forma é o que eles são. Nessas áreas de escandalosa exclusão social, a presença do Estado é rarefeita ou inexistente.
Compete à Polícia Federal combater o narcotráfico.
Quantas vezes ela foi vista escalando morros? Compete ao governo federal vigiar as fronteiras do país. É ridículo o número de policiais ocupados com a tarefa. Faltam equipamentos e gente para fiscalizar o desembarque de cargas nos portos. Até agosto, para modernizar sua polícia, o Rio só havia recebido R$ 12 milhões dos quase R$ 100 milhões prometidos pelo governo federal.
Adiantaria ter recebido mais? Em 2009, estão previstos investimentos de R$ 421 milhões na segurança pública do Rio. Só foram liquidados R$ 102 milhões até agora — 24,2% do total. Em três anos de governo Sérgio Cabral, o total de investimentos em segurança deverá ser de R$ 804.818,00. De fato, não mais do que 40% dessa grana já foram aplicados. O governo se cala a respeito.
Vez por outra, sob o impacto de algum episódio mais brutal, contingentes cada vez menores de cariocas vão às ruas pedir paz. O poder público responde com invasões temporárias de morros, a morte de bandidos ou de meros suspeitos, a apreensão de armas e o afastamento de policiais corruptos.
Quando um capitão libera um assassino em troca de uma jaqueta e de um par de tênis é porque a instituição à qual pertence apodreceu.
O problema do Rio não é de paz — é de enfrentamento. A situação de insurgência só se agravou com o descaso dos governos e a arraigada cultura local de tolerância com a malandragem e o banditismo.
O Estado brasileiro carece de um plano consistente, amplo e ambicioso para salvar o Rio. E o que é pior: os cariocas parecem não se importar muito com isso.
Um comentário:
neste país, o negócio é praticar a politicagem. Sim, temos somente politiqueiros. o país carece de autênticos políticos. todo mundo tá se importando somente o seu jogo de interesse. O povo, por exemplo, se interessa por salões de beleza e pelos jogos do "framengo". o resto é o resto.
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