Saudades do barão
FOLHA DE SÃO PAULO - 04/10/09
Seria bom aproveitar as próximas eleições e, pela primeira vez, transformar a política externa em tema eleitoral
AS TRAPALHADAS na condução da crise de Honduras sintetizam de forma cristalina a ação do Itamaraty nos últimos sete anos. É um misto de voluntarismo com irresponsabilidade. Algumas vezes, Celso Amorim mais parece um líder estudantil do que ministro das Relações Exteriores.
O Brasil não tem nenhuma vinculação histórica com a América Central.
Contudo, o governo brasileiro insistiu em ter participação direta na crise hondurenha. Queria demonstrar liderança regional numa área historicamente de influência norte-americana.
Como uma espécie de recado do "cara" para Barack Obama, comunicando que o Brasil era a nova potência da região. Potência sem "marines", mas com muita retórica e bazófia.
Claro que tinha tudo para dar errado, como se, em um filme de faroeste, John Wayne fosse substituído por Oscarito.
A aventura alcançou o ápice quando Zelaya chegou à embaixada brasileira. Minutos depois, recebeu a adesão de centenas de seguidores. Logo o local virou um acampamento. A tradição latino-americana se impôs. Muitos discursos, acusações, traições e atos de valentia sem nenhuma consequência prática. E tudo isso na embaixada brasileira, território nacional.
Quando o governo hondurenho cercou o prédio, o ato foi considerado autoritário. Imagine o que faria Fidel Castro se um líder anticastrista entrasse na embaixada brasileira em Havana e de lá insuflasse a população cubana à rebelião...
Celso Amorim declarou diversas vezes que lá em Honduras estava sendo jogada a sorte da democracia na América. Não era possível transigir com princípios democráticos e legais.
Era necessário não retroceder.
Estranhamente, essa determinação não é aplicada na América do Sul.
Mais ainda quando nossos vizinhos agem deliberadamente contra os interesses brasileiros, violando tratados, leis e contratos.
Tivemos o caso das refinarias da Petrobras na Bolívia, que foram tomadas abusivamente pelo governo local. Tivemos a insistência paraguaia impondo a revisão do tratado de Itaipu 15 anos antes do seu término. Tivemos as sucessivas violações do tratado do Mercosul realizadas pela Argentina e as abusivas medidas adotadas pelo governo equatoriano contra empresa brasileira.
A tudo isso o governo Lula assistiu passivamente. Não moveu um dedo.
Pelo contrário, concordou com as arbitrariedades, desmoralizou as gestões anteriores do Itamaraty e, assim, abriu caminho para que amanhã um governo resolva, de moto próprio, descumprir um tratado ou acordo.
A simpatia política com os governos chamados bolivarianos e subserviência a eles chegou ao ponto da absoluta irresponsabilidade.
A Colômbia, que tem tentado estabelecer uma política de cooperação com o governo Lula para melhorar a fiscalização da fronteira, é sistematicamente tratada com hostilidade, inclusive nos fóruns regionais.
Já a Venezuela, que disputa claramente espaço político com o Brasil e que não perde uma oportunidade para debilitar os interesses brasileiros na região (como durante a encampação das refinarias da Petrobras na Bolívia), é tratada como aliada, mesmo tendo uma política externa agressiva, sustentada por fabulosas compras de modernos armamentos. E, como o que está ruim pode piorar, a Venezuela vai entrar no Mercosul.
A diplomacia brasileira tentou por todos os meios ter presença diretiva em vários organismos internacionais e no Conselho de Segurança da ONU.
Como necessitava de votos, considerou natural ignorar graves violações dos direitos humanos em vários países (como o genocídio de Darfur), apoiou ditadores (como Muammar Gaddafi) e até fez campanha para um aspirante a diretor-geral da Unesco notabilizado por declarações de cunho antissemita. Mesmo assim, os candidatos brasileiros foram derrotados, e a estratégia fracassou.
O presidente Lula transformou o Itamaraty em uma espécie de Íbis, clube de futebol pernambucano celebrizado pelo número de derrotas.
O Brasil precisa ter papel relevante nos organismos e nas negociações internacionais. Disso ninguém discorda. Mas a maturidade econômica do país não condiz com uma política externa inconsequente. Não é com base em aventureirismo que o país vai ser respeitado. E muito menos servindo de cavalo de troia de bufões latino-americanos.
Um dos grandes desafios para o século 21 brasileiro é a construção de uma política externa global, que enfrente os desafios da nova ordem internacional. Um bom caminho para dar início a essa discussão é aproveitar a próxima eleição e, pela primeira vez, transformar a política externa em tema eleitoral.
MARCO ANTONIO VILLA , 54, historiador, é professor de história da UFScar (Universidade Federal de São Carlos) e autor, entre outros livros, de "Jango, um Perfil".
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