domingo, outubro 04, 2009

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

A revanche das luas


O GLOBO - 04/10/09

No seu livro Longitude Dava Sobel narra a competição havida no século dezoito para a criação de um método confiável de medir a longitude. A questão era tão importante para a navegação em alto-mar, e portanto para a marinha de guerra e o comércio marítimo da Inglaterra, que o parlamento britânico estabeleceu um grande prêmio em dinheiro para quem encontrasse a solução. Toda a pesquisa nesse sentido foi feita por astrônomos, que buscavam na relação das luas da Terra e de Júpiter com o Sol e com certas estrelas guias as coordenadas que definiriam a longitude, e alguns dos seus métodos tiveram sucesso. Mas quem afinal encontrou a solução definitiva foi um relojoeiro chamado John Harrison, inventor de um mecanismo que, mantendo o horário do porto de partida para ser comparado ao horário de bordo, dava a localização da embarcação, com oscilações mínimas devido ao movimento do mar ou às variações de temperatura. Com a vantagem adicional de continuar funcionando quando o mau tempo encobria as luas, as estrelas e as coordenadas celestes.

Apesar de hoje ser considerado um dos grandes cientistas do seu tempo, Harrison foi boicotado pelos seus pares e sacaneado pela Royal Society, cujos membros, na sua grande maioria, preferiam a astronomia à relojoaria. E no fim, nem lhe deram o prêmio.

O que houve durante a grande competição, portanto, foi uma briga entre o céu e a terra. Entre a engrenagem dos astros e seus divinizadores e um engenho humano que dispensava a ajuda vinda de cima. Durante anos – embora, claro, a medição pelos astros continuasse sendo usada na navegação –, diferentes versões da invenção de Harrison fixaram a longitude e asseguraram a precisão do posicionamento dos barcos no mar.

Aí inventaram o GPS, que, se não me falha o Google, quer dizer Sistema Global de Posicionamento em inglês, e mostra a quem quiser saber exatamente onde está na superfície do planeta, seja na terra ou no mar. Desde que inventaram o controle remoto – ou antes, com a pasta de dente listada –, eu sou um embasbacado pela engenhosidade humana, mas acho que até hoje nada me embasbacou mais do que o GPS. Que não apenas nos mostra como nos diz onde estamos a qualquer momento – na língua que escolhermos! O GPS só é possível pela existência de satélites em órbitas estacionárias sobre nossas cabeças. E os satélites nada mais são do que pequenas luas artificiais.

É o contra-ataque do céu na velha competição. A revanche das luas.

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