O Brasil é assim mesmo. Um dia é dos cassadores, outro dos cassados. Já me acostumei. Os anos 1970 foram dos cassadores. Os anos 1990 foram dos cassados. A coisa é cíclica. O Tesouro Nacional vive, sempre, sendo saqueado, sejam quais forem os donos do poder. Parece que de tempos em tempos a brincadeira de caça ao Tesouro vira os lados dos contendores. Em 2005 o povo disse não ao desarmamento: era a vez dos caçadores. O ano corrente é a vez dos caças. O Brasil quer comprar 36 deles. Eu não quero comprar nada. O leitor certamente também não quer. Nem nossos netos e bisnetos. Dizem que eles — pobrezinhos que acabaram de nascer ou que ainda vão nascer — serão os pagadores.
Com os 36 caças, quem vamos caçar? Acho que ninguém. Talvez numa guerra daqui a 20 anos eles nos serão úteis. Mas, pensando bem, creio que não. Pois daqui a 20 anos os 36 caças estarão obsoletos.
A transferência de tecnologia que o povo deseja não é a da indústria bélica. O Brasil, dizem, precisa dessa tecnologia, porque queremos ser grandes vendedores de armas e de material bélico. Eu não quero que o Brasil seja assim. O leitor quer? Que Brasil é esse de que falam, quando falam essas coisas? Alguns dirão que, sem guerras, o Brasil poderá usar seus caças para voos ruidosos sobre nossas cabeças maravilhadas nos desfiles militares e demais festas cívicas. Com isso, o povo extasiado, olhando para o alto, diria: “Ohhhhhhh!” Pois eu digo que é muito caro. Mais bonito e barato, nessas ocasiões, seria o povo soltar pipas, coloridas, alegres. Eu, de minha parte, já me proponho a fazer uma bela pipa e também a empiná-la.
O vice-presidente José de Alencar disse, recentemente, que armas nucleares seriam importante “ f a t o r d e d i s s u a s ã o ” e d a r i a m “mais respeitabilidade” ao país.
Não se fazem mais josés de alencares como antigamente. O outro José de Alencar, autor de “Iracema”, foi mais sábio. Foi um nacionalista que empreendeu esforços patrióticos para povoar o Brasil com conhecimento e cultura.
Mais sábio ainda foi Voltaire. O filósofo do iluminismo francês disse que “a música seria o mais caro dos ruídos se não existisse o do canhão”.
O Papa Paulo VI, bem mais à frente, não deixou por menos. Lamentava que os países em desenvolvimento se preocupassem em comprar armas, em vez de se esforçarem para elevar seu nível de vida.
Renunciando à compra de um único caça-bombardeiro, um país qualquer poderia, por exemplo, montar cerca de 700 concertos com uma orquestra sinfônica. Com um só tiro de canhão de 150mm, poder-se-ia pagar a um professor durante um mês inteiro.
O dinheiro pago por dois ou três revólveres seria suficiente para promover um excelente concerto de música de câmara.
Não é a simples descoberta de riquezas no pré-sal que vai fazer deste país uma grande potência mundial.
Costuma-se dizer que os países árabes são ricos, por possuírem a quase totalidade dos petrodólares. Mas é notório que seu desenvolvimento não aumenta apreciavelmente. A razão dessa contradição está no fato de que eles, em vez de importar professores e dar maior vivência à sua cultura, costumam importar caças-bombardeiros, técnicos de futebol e armas ultramodernas.
A história nos dá lições que precisam ser recuperadas. Os romanos, com sua força prodigiosa e seu enorme potencial militar, subjugaram a Europa mas só serviram de veículo para a cultura grega. “A Grécia vencida venceu o seu feroz vencedor.” Foi assim que Horácio, em suas “Epistulae”, se referiu ao fenômeno causado pela pujança da cultura grega.
Precisamos de um país com arte para todos. Precisamos de um país com cultura de todos para todos. Somos um dos povos mais criativos do mundo. Somos um povo que já sabe lutar para que seus direitos históricos não sejam cassados. Precisamos de um país sem caças. Não admitimos mais a caça às bruxas e tampouco a lei do cão. Quem não tem lei do cão caça com arte
JORGE ANTUNES é maestro, compositor e professor titular da Universidade de Brasília. |
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