Comparação cínica
FOLHA DE SÃO PAULO - 07/09/09
Não adianta aplicar algodão às orelhas, trancar as janelas, calafetar as frestas e ligar o ar-condicionado – o batidão entra do mesmo jeito, produzido por 64 subwoofers alimentados por um sistema de 30 mil watts. São eles que levam aqueles graves para bairros inteiros.
A lei estadual que restringia a realização de bailes funk no Rio acaba de ser revogada pelos deputados. Com isso, eles revogaram também uma outra lei, muito mais universal e antiga: a do silêncio. Ninguém dorme antes de 5 da manhã nas proximidades de um baile funk.
Quem é contra o baile funk é chamado de preconceituoso, e seus defensores cometem o cinismo de compará-lo ao samba, que, um dia, também foi perseguido. De fato, no começo dos anos 1910, segundo uma célebre história, o sambista Donga teve seu pandeiro tomado pela polícia. Pois, queixando-se ao senador Pinheiro Machado, então o homem mais poderoso da República, Donga ganhou um pandeiro novo, autografado pelo político. Tempos em que, apesar de “perseguido”, um sambista tinha acesso a alguém tão importante.
O samba era malvisto por sua associação inicial com o candomblé. Diluída ou desfeita essa associação, restou a música, produzida desde sempre por um grupo acústico de flauta, violão e cavaquinho, adorada pelo Brasil e ideal para embalar insones em serenatas. E sua beleza nunca precisou de 64 subwoofers para se fazer ouvir.
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