É comovente ver como as bancadas do governo e da oposição no Congresso se unem quando o assunto é salário. Deles, bem entendido. Não há ofensas nem palavrões. Os Poderes tornam-se um só quando a pauta é legislar sobre seus próprios vencimentos. O Congresso acaba de aprovar por unanimidade 9% de aumento para o Judiciário – o que eleva a R$ 26.700 o salário dos ministros do Supremo. Imediatamente, senadores exigiram equiparação.
“Eu só queria um salário digno, que é o salário que ganha o Ministério Público e o Supremo”, disse o senador Wellington Salgado (PMDB-MG). “Aqui (em Brasília)representamos os Estados, temos de ter uma posição de se apresentar bem arrumado, temos de receber prefeitos e levá-los para almoçar. Os Três Poderes têm de ter o mesmo teto. Não é justo simplesmente aumentar um Poder e deixar os outros Poderes desequilibrados.”
Essa declaração não passa de um cascatol.
Então, os senadores precisam de 9% de aumento para se vestir direitinho. Eles não contam a verba indenizatória extra, usada para encher o tanque do carro, morar de graça, alugar escritório e se alimentar com ou sem convidados. Eles querem aumento. E, para os senadores, deputados e desembargadores, querer é poder. Porque quem decide quanto vão ganhar são eles próprios ou seus pares, numa combinação que nada tem a ver com as bases. Não importa que o aumento deles seja muito maior que os aumentos salariais do “homem comum”.
O reajuste aprovado na quarta-feira vale para o Ministério Público e para os servidores do Judiciário. Sairão dos cofres públicos mais R$ 283 milhões por ano. A parte mais gorda do aumento será retroativa a 1o de setembro. A segunda será paga em fevereiro. É inevitável o efeito cascata no Judiciário. O presidente do Supremo, Gilmar Mendes, não gostou muito. Queria 14%, e não 9%.
Votar em benefício próprio é uma atitude imoral ou antiética? Fiz a pergunta a uma professora de filosofia em São Paulo, Terezinha Azerêdo Rios. “Um processo de representação significa que o outro está em meu lugar. Quando políticos ignoram o ponto de vista dos que os elegeram, transgridem moral e ética ao mesmo tempo. Mesmo que a lei os ampare, eles deveriam alterar a lei para não agir sem levar em conta o que é moralmente aceitável pela população, favorecendo a si mesmos. A moral só tem consistência quando é iluminada por princípios éticos de respeito, justiça e solidariedade.”
Simplificando: é como se nós, você e eu, não existíssemos. Numa democracia, políticos não existem sem o eleitor. A ética da política pressupõe o respeito ao bem comum. Mas isso soa terrivelmente teórico e abstrato para o Congresso brasileiro.
Alguns congressistas reconhecem o peso da opinião pública. “Na atual circunstância do prestígio do Congresso Nacional junto à sociedade brasileira, não vejo nenhuma condição de discutir um tema desse tipo (aumento de salários) ”, afirmou o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP).
O aumento dos salários do Judiciário ocorreu um dia depois de serem criadas mais 7.709 vagas de vereadores no Brasil, em votação na Câmara. Teremos quase 60 mil vereadores. Para quê? Alguém consultou a sociedade? O que fará esse novo exército de vereadores? O resultado foi aplaudido com muita emoção. Todos no plenário cantaram o Hino Nacional. Coitado do hino.
O Congresso continua a driblar a moralização do processo eleitoral. O projeto de exigir ficha limpa dos candidatos foi revogado e engavetado. E se acentua o troca-troca de legendas, às vezes envolvendo dinheiro, prestígio e compra de votos. Como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Pelo menos, agora todos sabem que “a mídia passou a ser uma inimiga das instituições representativas”. Sarney disse isso no dia 16 de setembro. Na semana passada, foi divulgada uma conversa de seu filho, o empresário Fernando Sarney, dizendo ao telefone: “Boto quem eu quiser” no Senado. E bota mesmo.
Quem serão os verdadeiros inimigos das instituições representativas? Não deveria ser quem contraria a moral, a ética e os bons costumes?
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