J.R. Guzzo
Ponto de partida
"Nosso desastre educacional mostra que o Brasil
aprendeu a gastar, mas não aprendeu a ensinar;
continua confundindo o ponto de partida com
o ponto de chegada"
Não é toda hora que o Brasil aparece num bom lugar nessas listas internacionais em que se relacionam os países que estão fazendo alguma coisa melhor que os outros. O normal, na verdade, é acontecer justamente o contrário: estamos quase sempre no topo da tabela quando se medem desgraças como homicídios, falta de esgoto ou trabalho infantil e no fim da fila quando a classificação se refere a honestidade na política, qualidade dos serviços públicos ou distribuição de renda. Somos ruins, também, ou muito ruins, em prostituição de crianças, demora para o cidadão ser atendido no sistema de saúde pública, excesso de impostos, mortes no trânsito, burocracia, mandados de prisão não cumpridos, rebeliões em penitenciárias, ferrovias, rodovias, outras vias – enfim, é um desfile que vai longe e, no fundo, diz quase tudo sobre a extraordinária dificuldade que os governos brasileiros, de qualquer época, têm para cumprir a sua obrigação de resolver problemas básicos da vida real. É uma surpresa e um alívio, assim, ver uma mudança nessa escrita, e numa questão essencial: de acordo com o mais recente levantamento internacional feito na área, com dados de 2006, o Brasil é o segundo país, em todo o mundo, que mais investe dinheiro público em educação, como porcentagem sobre o total dos gastos do governo. Fica atrás apenas do México – e, entre os países que ocupam os primeiros quinze lugares da lista, foi o que mais aumentou o seu investimento no setor de 2000 a 2006.
Não se trata, no caso, de conversa do PAC, ou de cifras fabricadas nos serviços de modelagem estatística do governo. Os dados são da OCDE, ou Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, órgão internacional com reputação de competência técnica, precisão e neutralidade nas pesquisas que realiza. Ou seja: é isso mesmo. O Brasil, que descobriu tarde a necessidade de investir em educação, e depois de ter descoberto passou décadas sem fazer grande coisa a respeito, é hoje um país que está pondo mais recursos do que nunca em seu sistema de ensino público; mais, proporcionalmente, do que campeões mundiais da educação como Coreia do Sul ou Estados Unidos, e mais do que a média atual dos trinta países-membros da OCDE. O problema, como de costume, está em quando se passa dos números para os resultados práticos. Se o Brasil, em termos de esforço financeiro para educar a sua população, é o segundo melhor país do mundo, por que a educação brasileira é tão ruim? É óbvio que houve ganhos. Nos últimos quarenta anos, a população brasileira aumentou em 100 milhões de habitantes, experiência desconhecida por qualquer país desenvolvido do planeta; foi preciso, de um jeito ou de outro, criar lugares na escola para essa gente toda, e o fato é que os lugares foram criados, tanto assim que cerca de 95% das crianças e jovens em idade escolar frequentam hoje as salas de aula. Criou-se, a partir das prefeituras, um vasto sistema de transporte para os alunos da escola pública – algo fundamental e que simplesmente não existia. Da mesma forma, passou a haver distribuição em massa de material didático. A merenda escolar foi universalizada. A maioria dos pais, entre os brasileiros pobres, acha que a educação recebida hoje por seus filhos é melhor do que a educação que eles receberam.
Tão real quanto isso tudo é a espetacular ruindade do sistema em seu conjunto, do primário à universidade, no ensino público e em boa parte do particular. Com todo o dinheiro que gasta, o Brasil continua tendo mais de 14 milhões de analfabetos. Nenhuma universidade brasileira está entre as 100 melhores do mundo. Os níveis de aproveitamento em matemática, física e outras disciplinas-chave para a capacitação tecnológica estão entre os piores. Não temos conhecimento de métodos didáticos eficazes. Não sabemos como ensinar, nem o que ensinar. O sistema todo, na educação pública, está armado de forma a atender aos interesses, às ideias e às pressões de professores e funcionários, principalmente na universidade. Não é nenhuma surpresa que as universidades americanas, na sua maioria entidades privadas, prestem muito mais conta de suas atividades do que as universidades públicas do Brasil.
Nada disso, como provam os números, acontece por falta de verba. É resultado, ao contrário, da ilusão de que se pode resolver problemas só com dinheiro – mas sem trabalho, talento e coragem. Nosso desastre educacional mostra que o Brasil aprendeu a gastar, mas não aprendeu a ensinar; continua confundindo o ponto de partida com o ponto de chegada.
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