CORREIO BRAZILIENSE - 26/09/09
Recado de Obama é que ou governos do G-20 alinham as economias ou EUA vão ajustar-se pelo dólar
As propostas e negociações do G-20, a cúpula das vinte maiores economias do mundo que se reuniu em Pittsburgh, EUA, são sutis. O anfitrião Barack Obama trouxe a proposta de “avaliação mútua” pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) das políticas econômicas de cada país do Grupo dos 20. Sua proposta vale pelo que esconde.
A intenção é equilibrar os desequilíbrios globais, evitando-se, por exemplo, os enormes superávits da China, construídos sobre os deficits comerciais dos EUA. A narrativa das bolhas de liquidez é essa: os EUA reduzidos a importadores de mercadorias, compensadas com a exportação de ativos financeiros. O resto foi consequência.
Com muito dólar na mão da China — mas também do Japão, Alemanha, Brasil depois de 2003, quando se avolumam as reservas de divisas do país —, o dinheiro, tal como na época dos choques do petróleo das décadas de 70 e 80, precisava ser reciclado. E a banca o fez.
Mas desta vez, ao contrário dos árabes, que se satisfaziam com os juros recebidos pela aplicação da receita do petróleo, a China fez mais: chumbou o renminbi ao dólar, ergueu uma indústria financiada pelas próprias empresas americanas atraídas pelos custos baixos da economia chinesa, convenceu-as de que seria rendoso trazer dos EUA suas linhas industriais, produzir lá e exportar de volta. E fechou o circuito aplicando as receitas cambiais diretamente nos EUA.
A estratégia foi boa para a China, que saiu de um estágio agrário para o industrial de ponta. E também para os EUA, que tiveram por conta disso mais de duas décadas de inflação controlada pelos bens chineses vendidos baratinhos. Mas à custa de fábricas fechadas e empregos cortados, que agora descobrem fazer falta e os querem de volta. O vodu durou até ruir a fantasia da “grande moderação”: a ficção de economistas segundo a qual EUA e China seriam economias complementares uma à outra, e assim seria até o fim dos tempos.
Não é que os EUA se desindustrializaram por completo. Perderam a indústria mais comoditizada, como a automobilística e eletrônica, para os países de mão de obra barata e de baixa exigência ambiental.
Mas a que ficou escalou em produtividade, investindo em automação e processos, resultando menos emprego por produto/hora. A soma dos dois fenômenos levou à queda absoluta do emprego industrial, em parte compensada pelo aumento no setor de serviços, o que implicou a precarização do trabalho, pois salários e horas trabalhadas são menores nestas atividades. Tudo isso vem desde o fim dos anos 70.
Das bolhas à crise
A circularidade da crise em formação se completou com a expansão do crédito, devido aos juros baratos e à enorme liquidez, suprindo a perda de poder aquisitivo dos EUA. É quando o assalariado médio pôs o pescoço na forca, graciosamente estimulado pelos bancos e o governo Clinton, endividando-se não só no cartão de crédito, mas também hipotecando a casa própria. Veio a bolha final. E a crise.
Prática e retórica
Como os EUA saem dela? Como um país de terceiro mundo: exportando mais e importando menos, para encolher o déficit externo, e muita receita fiscal para desinflar o déficit fiscal. Alguma inflação no início é esperada, seguida de aumento de juros para esfriá-la. Foi o que se fez no Brasil dos anos 90 para frente. Deu certo. Para os EUA também dará, salvo se o mundo recusar a corrosão do dólar, que é o meio abrangente e mais rápido de ajuste. Obama deu o recado.
Aos colegas do G-20, ele foi claro: ou há alinhamento de objetivo entre os governos ou o corretivo virá no seco. É como se avisasse que só lhe resta o ajuste pelo dólar se sua tese cair no vazio. A defesa do dólar forte, porém, está mantida na retórica oficial.
Atos sem escrúpulos
É difícil supor outro caminho aos EUA. O déficit fiscal está indo de 2% do PIB para 12%. O desemprego oficial vai bater em 10,8% até o fim do ano, o maior desde a 2ª Guerra, ou 6 milhões de demissões — mais 3 milhões reempregados em meio período. A capacidade ociosa em algumas indústrias está abaixo de 60%, como a automotiva. E ano que vem há eleições parlamentares. A desvalorização cambial, neste quadro, é o meio sub-reptício e eficaz de protecionismo comercial.
Obama já mostrou que não se prende a escrúpulos do livre mercado, ao taxar importações de pneus da China. Na retórica, o comunicado final do G-20 contempla o “crescimento mais equilibrado”, conforme o apelo de Obama. Na prática, o provável é que a China, Alemanha, Japão, produtores de petróleo, todos superavitários contra os EUA, façam cara de paisagem. E Obama terá de fazer mais que discursar.
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