quarta-feira, setembro 02, 2009

PANORAMA ECONÔMICO

Escolhas

REGINA ALVAREZ (interina)

O GLOBO - 02/09/09


O Orçamento é feito de escolhas. Governos costumam moldá-lo cuidadosamente para viabilizar seus projetos de poder. O Orçamento de 2010, encaminhado esta semana ao Congresso, reflete as prioridades do governo Lula no ano eleitoral, mas também consolida as escolhas feitas ao longo de seus oito anos de mandato. Com os números revelados, é possível refletir sobre essas escolhas.

Se tudo der certo e as previsões do governo para a arrecadação e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) se confirmarem, a receita líquida da União terá crescido o equivalente a 3,61 pontos percentuais do PIB desde a posse de Lula, em 2003, até 2010. Passará de 17,72% para 21,33% do PIB. Já o superávit primário, no mesmo período, cairá de 2,28% para 1,47% do PIB, considerando o abatimento dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Somando o aumento da receita com a redução do superávit, chega-se a 4,42% do PIB, que equivale ao avanço das despesas nesse período.

Os números da execução orçamentária, combinados com as projeções para 2010, mostram como o governo dividiu esse bolo. Os investimentos passaram de 0,35% do PIB em 2003 para 1,38% em 2010. É um crescimento de 1,03% do PIB no período, enquanto o gastos correntes abocanharam os 3,39% restantes.

O governo Lula escolheu investir mais nas transferências de renda, nos gastos com pessoas. O aumento das despesas correntes embute os reajustes para o funcionalismo, os programas sociais, o reajuste do salário mínimo e dos benefícios previdenciários.

A professora Margarida Gutierrez, da UFRJ, calcula que os gastos com pessoas comprometem 76% do total de gastos do Orçamento. E mostra preocupação com as escolhas do governo.

— Em muitos casos os gastos são legítimos. O país é muito carente, mas a divisão do bolo é injusta com uma grande parcela da sociedade — afirma.

Gutierrez destaca que com a divisão do bolo dessa forma sobra muito pouco para gastar com outras coisas que a sociedade também precisa. Investimentos públicos, saúde e educação são exemplos de áreas que precisariam de mais recursos, mas o cobertor é curto e elas estão carentes.

— A carga tributária brasileira é uma das mais elevadas, a terceira maior carga entre os emergentes, igual a cargas de países provedores — destaca Margarida, lembrando que os serviços prestados à sociedade estão muito aquém desses países.

A fatia do Orçamento destinada ao pagamento de pessoal passa de 4,5% em 2003 para 5,05% em 2010. É uma renda destinada a um milhão e duzentos mil servidores públicos. Já os investimentos públicos, que beneficiam toda a sociedade, ficaram com apenas um quinto desse montante.

O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, lembra que os investimentos são o passaporte para o crescimento de qualquer país.

— Eles não apenas ampliam a capacidade do setor público de gerar receitas no futuro, como servem de mola propulsora para a expansão da economia — afirma.

As escolhas do governo Lula na condução dos gastos públicos são vistas por muitos analistas como um risco à estabilidade econômica, mas a crise global deu uma espécie de licença para gastar aos governos e a equipe econômica gosta de destacar que o Brasil é um dos que está gastando menos.

Na contramão

Essa análise do economista Raul Velloso reforça e ajuda a entender as escolhas do governo na crise global.

Ele comparou a evolução dos gastos correntes e dos investimentos antes e durante a crise. A conclusão é interessante. Mostra que na crise, a partir de novembro de 2008, os gastos de custeio cresceram em velocidade superior aos investimentos, na contramão dos manuais de políticas anticíclicas.

Do início do governo Lula até novembro de 2008, as despesas correntes anualizadas cresceram 87% — em valores nominais, sem inflação —, enquanto os investimentos subiram 467,3%. Este percentual parece muito grande, mas foi aplicado sobre uma base pequena, de 0,35% do PIB, que foi a fatia dos investimentos em 2003.

Já no período da crise, quando os manuais recomendam mais investimentos, os nossos cresceram em ritmo menor do que os gastos de custeio, principalmente por conta do impacto dos reajustes do funcionalismo.

Entre novembro de 2008 e julho de 2009, essas despesas avançaram 8,1%. Os investimentos, apenas 4,1%. O governo optou pelas desonerações e transferências diretas a pessoas e famílias para enfrentar a crise.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, defende a estratégia anticrise do governo Lula: — As medidas garantiram a retomada da economia.

As desonerações evitaram o aumento do desemprego — afirma

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