Economista, um dos fundadores da Associação Contas Abertas Há cerca de 300 anos, o filósofo e escritor francês Charles de Montesquieu, famoso por ser o autor da teoria da separação dos poderes, afirmou: “Aquele que detém o poder tende a dele abusar”. A frase cunhada há séculos referia-se à monarquia absolutista, mas continua atual para a jovem democracia brasileira.
As dezenas de escândalos ocorridos em 2009 no Congresso Nacional constituem exemplos típicos de excessos decorrentes do exercício do poder. O uso indevido da verba indenizatória por parte de parlamentares, por exemplo, aconteceu aqui e na Inglaterra. Lá, recursos públicos pagaram estrume, cortador de grama, manutenção de piscinas, comida de cachorro, construção de uma ilha para patos em casa de campo e até aluguel de filmes pornográficos. Na realidade, os gastos dos parlamentares ingleses foram até mais excêntricos do que os efetuados pelos políticos brasileiros. No parlamento inglês, porém, houve consequência concreta. Ao contrário do que ocorreu no Legislativo brasileiro, o então presidente da Câmara dos Comuns, Michael Martin, acusado de criar um ambiente em que esses excessos eram permitidos, renunciou ao cargo.
No Brasil, no entanto, estamos nos acostumando com os escândalos, e não só no Legislativo. É relevante, por exemplo, sabermos quem está mentindo no confronto entre a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira e a ministra Dilma Rousseff, não apenas pelo fato em si, mas também em favor da moralidade administrativa, porque é inconcebível que uma autoridade desse porte (uma ou outra) esteja faltando com a verdade. A mentira em Brasília não pode ter pernas longas.
Paralelamente, no episódio do julgamento da quebra do sigilo bancário do caseiro, a respeitada decisão de cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de sequer abrir processo contra o ex-ministro Antonio Palocci — quatro ministros manifestaram opinião contrária — tem reflexo imediato na cidadania. Quem em sã consciência irá se aventurar a denunciar eventuais fatos indecorosos que tenha presenciado, lembrando-se de Francenildo, perseguido pelo Estado, desempregado e atualmente aguardando o desfecho de ação que move contra a Caixa Econômica Federal, ao contrário de Palocci, “agora zerado”?
Enfim, julgamento do STF à parte, têm prevalecido sempre a banalização dos atos ilícitos, a democratização dos erros, a socialização da impunidade e o malfeito coletivo, transformando tudo em uma pizza fatiada indigesta.
Diante disso, já não basta reunirmo-nos, vestidos de branco com fitas verdes e amarelas nos pulsos, para abraçarmos o Congresso Nacional. Já não basta escrevermos nossos nomes em um abaixo-assinado inútil. Já não basta vestirmo-nos de preto, de luto, por mais que tenhamos a sensação de que o espírito público e a vergonha na cara morreram, faz tempo.
No atual contexto, não podemos aceitar que as posturas dos homens públicos sejam apenas as orquestradas convenientemente para os que estão no governo ou na oposição. Temos que ser contrários às irregularidades praticadas, sejam quais forem os políticos, sejam quais forem os partidos, sejam quais forem os governantes (federais, estaduais e municipais), sejam quais forem as autoridades, estejam onde estiverem nos Três Poderes. A governabilidade não pode revogar os ideais. A ética e a moral são conceitos apolíticos e suprapartidários.
Ainda que uma grande parcela da sociedade esteja indignada, sente-se a falta de movimento coletivo organizado. Precisamos reunir em uma única campanha de mobilização nacional — sem vaidades de autoria — forças como as da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ministério Público, organizações não governamentais, estudantes independentes, grandes veículos de comunicação, portais, sites e blogs da internet. O mote poderia ser a palavra limpe, cujas letras simbolizam os princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
As mudanças que desejamos no Congresso e no país não virão de dentro para fora, mas sim de fora para dentro. Precisamos demonstrar a nossa indignação para aqueles que parecem estar “se lixando” para a democracia.
É provável que a frase de Montesquieu seja eterna e que nos próximos 300 anos muitos homens públicos continuem a usufruir indevidamente dos privilégios, das imunidades e das distorções do poder. Cabe à sociedade lutar para minimizar esses abusos e a impunidade.
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