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Marco Aurélio esquece o que disse e se asila no país do faz-de-conta
Em 4 de maio de 2006, no discurso de posse na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Marco Aurélio de Mello foi o porta-voz do Brasil decente da primeira palavra ao ponto final. Um dos melhores momentos é o que desmascara corajosamente os arquitetos de um país de fantasia:
“Perplexos, percebemos, na simples comparação entre o discurso oficial e as notícias jornalísticas, que o Brasil se tornou um país do faz-de-conta. Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os culpados nada sabiam - o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mal houvessem feito. Faz de conta que não foram usadas as mais descaradas falcatruas para desviar milhões de reais, num prejuízo irreversível em país de tantos miseráveis. Faz de conta que tais tipos de abusos não continuam se reproduzindo à plena luz, num desafio cínico à supremacia da lei, cuja observação é tão necessária em momentos conturbados”.
Passados pouco mais de três anos, os brasileiros honestos, perplexos, percebem, na simples comparação entre o discurso do presidente do TSE e o comportamento do ministro no julgamento do caso Battisti, que Marco Aurélio esqueceu o que disse para asilar-se no país do faz-de-conta. Rasgou o belo discurso no momento em que interrompeu, com um pedido de vista, a votação perto do fim.
Faz-de-conta que o ministro não conhece bem a história e precisa, portanto, examiná-la mais detidamente. Faz de conta que ninguém sabe que ele é contrário à devolução do terrorista em recesso ao país natal. Faz de conta que não sabia que, como Gilmar Mendes aprova a aceitação do pedido, a questão estava liquidada por 5 votos a 4. Faz de conta que ignorava que o adiamento do desfecho permitiria ao governo tentar virar o jogo no tapetão.
A senha para a contra-ofensiva foi a reentrada em cena do juiz de araque Tarso Genro, cavalgando a falácia segundo a qual a concessão de refúgio político é prerrogativa do Executivo e o STF nada tem a ver com isso, À cretinice desafiadora seguiu-se a decisão de antecipar a indicação de José Antonio Toffoli, chefe da Advocacia Geral da União, para a vaga aberta pela morte de Carlos Alberto Direito.
Marco Aurélio terá de fazer de conta que não sabia disso. Como não pode fingir que nem suspeitava de que um recém-chegado ao STF tem o direito de deliberar sobre questões pendentes, terá de fazer de conta que nunca soube que Toffoli é cabo eleitoral de Battisti.
A entrega de uma toga ao advogado predileto do PT é uma cafajestagem. A nomeação de um militante partidário desprovido de notável saber jurídico é uma afronta. E é um ato criminoso a infiltração no Supremo de um bachare que, além de politicamente suspeito e intelectualmente despreparado, cultiva o hábito de presentear amigos com passagens aéreas compradas com o dinheiro dos pagadores de impostos.
Caso a trama não seja neutralizada, terá ocorrido o que o antigo Marco Aurélio identificou com muita precisão no discurso de 2006: ”um desafo cínico à supremacia da lei, cuja observação é tão necessária em momentos conturbados”.
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