Os quatro projetos que visam a alterar a atual legislação do setor de petróleo e gás natural no Brasil trouxeram à tona, e desta vez com bastante força, o cansativo e ultrapassado debate estatização x privatização. Ressuscitar esse debate é o verdadeiro objetivo do governo, o pré-sal está sendo usado apenas como pretexto. E por que essa estratégia é importante? No curto prazo, o objetivo é tirar de pauta os escândalos do Senado, os problemas na Receita Federal e a gripe suína. No médio prazo, é ganhar as próximas eleições presidenciais.
Nos últimos anos assistimos no Brasil a três grandes rounds da luta estatistas x privatistas. O primeiro foi no governo FHC, com o embate em torno do petróleo. Primeiro, para a aprovação da Emenda Constitucional nº 9, que alterou o artigo 177 da Constituição federal, em que era dado o monopólio à Petrobrás. Depois, quando da tramitação e posterior aprovação da Lei 9.478, em agosto de 1997. Naquele momento a vitória foi dos privatistas, que se teriam aproveitado dos ventos neoliberais que sopravam pelo mundo.
Um segundo round ocorreu na primeira eleição do presidente Lula, quando o governo FHC foi acusado de ter promovido o racionamento de energia elétrica em razão das privatizações. Apesar de o governo FHC ter privatizado apenas 15% das estatais geradoras, a tese que culpava a privatização pegou e deu a vitória aos estatistas. O terceiro round foi na segunda eleição do presidente Lula, que na época tachou o candidato de oposição de privatista e neoliberal. O presidente Lula acuou o adversário afirmando que, caso a oposição ganhasse as eleições, a Petrobrás e o Banco do Brasil seriam privatizados. O candidato da oposição em momento algum conseguiu escapar da armadilha, mostrando que o debate não era estatização x privatização, e sim um Estado eficiente assumindo posições de fiscalização e regulação contra um Estado gastador, inchado e politizado. Pela segunda vez as urnas deram a vitória à tese estatizante. A luta é sempre reiniciada às vésperas das campanhas presidenciais, e agora não poderia ser diferente.
É bom lembrar que, se tudo correr bem, a produção comercial do pré-sal só se iniciará a partir de 2015. O próprio presidente da Petrobrás, em contraposição a outros membros do governo, declarou recentemente que o pré-sal não é uma vaca leiteira. Mesmo assim, o governo, de forma autoritária e nada democrática, apresentou seus projetos para que fossem apreciados e aprovados em apenas 90 dias pelo Congresso Nacional.
Quando analisamos os quatro projetos enviados ao Congresso pelo governo, verificamos a existência de dois pontos comuns a todos: o direcionamento para uma reestatização do setor de petróleo e gás natural e a mudança de um Estado que participa da renda petroleira por meio da arrecadação de impostos para um Estado que vai obter a mesma renda pela comercialização do petróleo e do gás natural. Essa mudança acaba prejudicando Estados e municípios produtores de petróleo. O projeto que cria a Petro-Sal propõe funções de gestora dos contratos de partilha e dos contratos de comercialização de petróleo e gás natural. A primeira é atualmente exercida pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), só que em relação aos contratos de concessão. Nesse sentido, a Petro-Sal vai esvaziar a agência. A segunda faz a Petro-Sal reencarnar o antigo Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e o Instituto Brasileiro do Café (IBC), que só deixaram heranças malditas. Por fim, a Petro-Sal vai participar dos comitês operacionais dos campos de petróleo, com poder de veto. Muitos afirmam que isso teria sido copiado da estatal norueguesa Petoro. Não é verdade. Na Noruega a estatal participa dos comitês operacionais porque a Petoro é investidora e, portanto, entra no risco do negócio. No Brasil, a Petro-Sal nada investe e apenas vai exercer ingerência política na administração dos campos. O governo brasileiro abandona o modelo de controle da produção e fiscalização do campo por uma agência reguladora e passa agora a ter essas funções exercidas por uma estatal com critérios pouco transparentes.
No contexto da volta aos anos 1950, o governo propõe restituir parte do monopólio que a Petrobrás havia perdido com a Lei 9.478. A Petrobrás passaria a ser a única operadora dos campos do pré-sal que ainda não foram licitados, com uma participação mínima de 30%. O primeiro comentário é que, além da perda de eficiência, natural em empresas monopolistas, essa novidade tende a afastar investimentos das tradicionais empresas petrolíferas, que poderão não aceitar ser meras parceiras financeiras da Petrobrás. Por outro lado, o novo modelo poderá atrair empresas estatais, principalmente chinesas, que têm grande disponibilidade de capital e pouca tradição como operadoras de petróleo. O governo chinês deixaria de comprar papéis do Tesouro americano e passaria a comprar reservas de petróleo no Brasil. Ficaria estabelecida a eficiente e moderna parceria estatal com estatal. A Petrobrás monopolista também passa a ser um monopsônio, transformando-se na única compradora das indústrias fornecedoras de bens e serviços para o pré-sal. Será que uma Petrobrás monopolista e exercendo o poder de monopsônio é caminhar para a modernidade e proteger os interesses do povo brasileiro?
É provável que a oposição não consiga sair do canto do ringue. Quando vemos políticos da oposição fazendo críticas artificiais aos projetos do governo para assegurar que não serão acusados de privatistas, temos a certeza de que caíram, mais uma vez, na armadilha de não ter coragem de enfrentar o verdadeiro debate. E, nesse caso, na próxima campanha presidencial o embate será entre estatistas e estatistas. Pobre Brasil, que com a adoção do novo modelo do pré-sal poderá gerar duas maldições: a conhecida doença holandesa e, na contramão do mundo, sujar a nossa matriz energética, que sempre foi das mais limpas do mundo. |
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