No mesmo saco
Não é razoável imaginar que, experiente como é, o senador José Sarney tenha a esperança de superar a crise política que domina o Senado, e tem nele o catalisador, à base da truculência, a reboque de uma tropa de choque desqualificada para o debate político.
Ainda mais não sendo esse o estilo de fazer política que tem adotado em toda sua longa carreira, pelo menos no plano nacional.
Sua passagem tumultuada pela Presidência da República foi salva justamente pelas marcas características de sua atuação política, a temperança, a convivência com a divergência, a tolerância. Características que ficaram mais valorizadas quando, em plena campanha sucessória, suportou ataques inomináveis desferidos por seus atuais aliados políticos, o próprio presidente Lula e o hoje senador Fernando Collor.
A postura de Sarney na ocasião garantiu a transição para a democracia que lhe reavivou a biografia, agora ameaçada pela revelação de atos, e sobretudo atitudes, desencavados de um passado recente que o condena.
O mais provável é que tenha decidido resistir para não deixar a presidência do Senado sob acusações não esclarecidas, mas nada indica que esteja disposto a se expor a uma investigação aprofundada.
Ao contrário, há indícios evidentes de que joga tudo na presumível não aceitação das representações contra ele pelo presidente do Conselho de Ética, arquivando-as liminarmente, acatando a tese da defesa de que não há qualquer ilícito nos atos que praticou.
Decisão, aliás, antecipada pelo presidente do Conselho de Ética, o senador Paulo Duque, antes mesmo que defesa houvesse. Não indo ao julgamento de seus pares no plenário do Senado, estaria Sarney em condições de continuar no posto sem que sua autoridade seja colocada em xeque? Nada indica que isto venha a acontecer. Portanto, não há uma explicação razoável para o recuo da decisão de se afastar do epicentro da crise afastando-se da presidência do Senado.
Sarney sabe que, quanto mais se expuser ao embate público, mais estará como alvo, ele e sua família, de ataques dos adversários políticos, dedicados a demonstrar que ele não tem condições de se manter à frente do Senado sem desmoralizálo.
E, pelo que já se viu, munição não deve faltar.
Imaginar que em véspera de eleição os 2/3 dos senadores que terão que renovar seus mandatos se sujeitarão a apoiar um político que se transformou em símbolo de tudo de errado que acontece no Senado é fazer pouco da inteligência de Suas Excelências.
Não é com a mudança do presidente que se resolverão os graves problemas éticos e administrativos do Senado, mas, mantendo-se Sarney, não haverá clima para se fazer as mudanças necessárias, mesmo porque o ambiente de guerra continuará a impedir que as ações políticas se desenrolem de maneira objetiva.
Também é intrigante a ênfase com que o Palácio do Planalto assume a defesa do senador Sarney, ficando contra a maioria da bancada de senadores do PT.
O presidente Lula, que é um bom estrategista político, pode estar cego pela arrogância e não estar avaliando bem o passo que está dando. Garantir o apoio do PMDB ao projeto de sucessão que ele montou pode ser decisivo para eleger a ministra Dilma Rousseff, mas será que o ambiente político até outubro de 2010 continuará sendo tão condescendente assim com os que trapaceiam, com os que fazem conchavos políticos tão apequenados quanto os que estão sendo tramados nos bastidores do Senado, às custas da credibilidade da própria instituição? A maioria dos senadores do PT parece não acreditar que o eleitor seja tão facilmente enganável, e mantémse em posição divergente à do governo.
Não é para menos, apenas três senadores têm mandatos que se estendem até 2015: Eduardo Suplicy e Tião Vianna, e o suplente João Pedro.
Os demais estarão disputando um novo mandato em seus estados, e precisam estar minimamente sintonizados com os anseios da sociedade.
Não parecem confiar em que a popularidade do presidente Lula será suficiente para elegê-los, preferem agir por conta própria, posicionandose pela licença de Sarney, na esperança de se equilibrar entre o desejo de Lula e o que consideram ser o desejo da sociedade.
Também o PMDB tem apenas três senadores que permanecerão no Senado até 2015: o próprio Sarney, Jarbas Vasconcellos e Pedro Simon.
Por isso, não há um consenso dentro do partido na sustentação da permanência de Sarney na presidência, embora o líder Renan Calheiros jogue sua vida política nessa manutenção.
Ele, na verdade, é o grande artífice da mudança de estratégia, o mentor da tática agressiva para tentar ganhar no grito a disputa política.
Não quer perder o controle do Senado, que manobra como líder da maior bancada, e qualquer mudança administrativa mais profunda cortará sua influência.
Quando Renan Calheiros fez prevalecer a tese de que o que está em jogo hoje no Senado é a sucessão presidencial de 2010, colocou o presidente Lula obrigatoriamente na defesa da permanência de Sarney na presidência, e criou constrangimentos na bancada petista, que pode ser acusada de inviabilizar a coligação com o PMDB em apoio a Dilma.
Não é preciso ser um grande estrategista político para saber que a propaganda na campanha eleitoral estará infestada de imagens da campanha política de 1989, que muitos consideravam que se repetiria em 2009, com vários candidatos disputando quem iria para o segundo turno. Lula foi para o segundo turno naquela ocasião disputar com Collor por uma quantidade ínfima de votos, que seu adversário imediato, Leonel Brizola, morreu dizendo que foram roubados.
Hoje, todos juntos do mesmo lado têm que responder pelos atos do passado. O ambiente belicoso, truculento, que dominou aquela campanha presidencial está sendo alimentado novamente pelos mesmos que, 20 anos atrás, atacaram Lula de todas as maneiras, envolvendo até mesmo sua filha Lurian nos golpes mais baixos.
Só que desta vez são farinha do mesmo saco.
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