sábado, julho 11, 2009

MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA
Maílson da Nóbrega

Os salários dos executivos
da Petrobras

"No setor público, raros são os dirigentes demitidos por
incompetência. Sua remuneração não deve ter relação
com a do setor privado"

Deu no Correio Braziliense (25/6/2009): entre 2003 e 2007, a remuneração dos diretores da Petrobras cresceu 90%, mais de três vezes a inflação do período. Em 2007, cada um recebeu perto de 710 000 reais, quase 60 000 reais por mês.

Em entrevista a O Estado de S. Paulo (27/6/2009), o presidente da empresa, Sergio Gabrielli, tachou a matéria de "muito ridícula", pois veiculava decisão da assembleia-geral da empresa, que é pública. Falou em "claro indício de crime de quebra de sigilo fiscal", pois a informação é protegida. Como? Se o dado é público, não teria havido delito.

Corretamente, Gabrielli mostrou que a remuneração é modesta, em relação à de empresas privadas: "Todos os dirigentes da Petrobras receberam 7,108 milhões de reais no ano de 2007. O Itaú teve 244 milhões de reais; o Bradesco, 170 milhões de reais; o Unibanco, 153 milhões de reais; Gerdau, 59 milhões de reais; Vale, 43 milhões de reais; Sadia, 16 milhões de reais; Perdigão, 14 milhões de reais; Aracruz, 9 milhões de reais; CSN, 9,5 milhões de reais".

Haverá quem se impressione com o argumento e dê razão ao presidente da Petrobras. Acontece que não se pode fazer essa comparação. O setor privado é mais exigente quanto aos requisitos de experiência e qualificação profissional. Os executivos podem sair por causa de desempenho insuficiente. Por essas razões, paga-se mais, aqui e em outros países. No setor público, raros são os dirigentes demitidos por incompetência. Sua remuneração não deve ter relação com a do setor privado.

O senhor Gabrielli tem elevada qualificação acadêmica, incluindo o doutorado em economia nos EUA. É professor de uma instituição de prestígio, a Universidade Federal da Bahia. Sua competência é hoje muito reconhecida. Ocorre que se a Petrobras fosse privada dificilmente esses predicados bastariam para ele chegar a presidente. A escolha de seus dirigentes levou mais em conta as vinculações sindicais ou partidárias.

Segundo Maria Celina d’Araújo, cientista política da Fundação Getulio Vargas, o governo federal dispõe de 77 000 cargos para preencher por indicação política. No atual governo, esse processo foi exacerbado. Salvo exceções como a do Banco Central, as nomeações se pautaram por critérios essencialmente políticos. Nem mesmo as agências reguladoras – que deveriam ser geridas por pessoal preparado – escaparam do aparelhamento.

No governo federal americano, as indicações políticas são cerca de 3 000. Os dois partidos que se revezam no poder costumam recorrer a gente qualificada, recrutada nos seus próprios quadros ou em organizações de pesquisas e estudos (os think tanks). No Reino Unido, onde é maior a profissionalização do serviço público, o primeiro-ministro nomeia pouco mais de 100 pessoas, incluindo os ministros.

O governo britânico usa habitualmente empresas de consultoria especializadas (headhunters) para recrutar e selecionar dirigentes. É assim que são escolhidos os equivalentes, entre nós, aos cargos de secretário da Receita Federal e do Comitê de Política Monetária do Banco Central. O presidente que conduziu a privatização da British Steel, a estatal de aço, era um canadense indicado pelo mesmo método.

No setor privado, cargos como os da Petrobras são exercidos segundo valores, princípios e lógica distintos dos aplicáveis ao governo. Ao contrário do setor público, sua remuneração deriva de expectativa de desempenho, de demandas do cargo ou dos respectivos riscos.

Voltemos aos EUA. Como o país não possui empresas estatais como as brasileiras, tomemos o exemplo do Federal Reserve, o banco central. A remuneração anual de seu presidente, medida pelo método da paridade do poder de compra da moeda, é de 279 100 reais, menos da metade do ganho de um diretor da Petrobras. A complexidade do cargo é maior. Comparada à de um dirigente de banco americano, essa remuneração ficaria a uma distância maior do que a existente entre a Petrobras e empresas brasileiras.

Em resumo, consideradas a natureza estatal da Petrobras e a forma de escolha de seus diretores, parece não haver justificativa para o valor de seus salários, muitíssimo superiores aos do universo dos dirigentes do setor público brasileiro. A comparação com a remuneração de diretores de empresas privadas é no mínimo descabida.

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