quinta-feira, julho 23, 2009

COISAS DA POLÍTICA

O ritual do esfazimento

Mauro Santayana
Jornal do Brasil - 23/07/2009

Equivoca-se o senador Cristovam Buarque ao dizer que o Senado se desfaz. É toda a sociedade brasileira que se desfará se não houver rápida mobilização dos cidadãos honrados, a fim de impor o mínimo de sensatez aos atos políticos. Não podemos nos desculpar com a crise mundial do sistema democrático. Se a cada dia basta o seu cuidado, a cada povo cabe a sua responsabilidade.

Quando se revelou a quebra de Wall Street, em consequência da roubalheira continuada, poucos se lembraram de que a globalização neoliberal da economia fora engendrada em Washington e Londres, a fim de garantir a exploração dos recursos dos países periféricos. Durante algum tempo, no Brasil, o governo relutou em acatar as ordens neoliberais, codificadas pelos economistas no manual a que se deu o nome de Consenso de Washington. Mas como os "sábios" costumam ouvir outros "sábios", os gênios nacionais da economia, senhores de cátedras em São Paulo e no Rio de Janeiro, empenharam-se em fazer "a lição de casa". Eles agiram sem ouvir ninguém, como se fora da USP, da Unicamp e da PUC do Rio de Janeiro não houvesse vida inteligente no Brasil.

O Consenso de Washington se ampliou no famoso Acordo Multilateral de Investimentos, que se frustrou graças ao bom senso dos cidadãos franceses e canadenses, que o denunciaram. Frustrou-se de modo geral, mas chegou a ser cumprido, em suas cláusulas, isoladas, de forma unilateral, pelos governos dos países do Hemisfério Sul, entre eles, o Brasil, chefiado pelo acadêmico Fernando Henrique Cardoso. A reação viril de muitos setores da vida nacional conseguiu impedir que ele, como pretendia, entregasse tudo: salvou-se o essencial da Petrobras e parcela do setor elétrico, como Furnas, Chesf, Eletronorte, Cemig. Mas o importantíssimo sistema de telecomunicações foi destinado aos estrangeiros, com dinheiro dos fundos de pensão e o proveito do Banco Opportunity.

Enquanto isso ocorria, a maioria dos homens de bem cuidava, em primeiro lugar, de seu próprio quintal, de sua própria economia, de seu próprio emprego. Se houvesse tempo, dedicavam-no, como obrigação, à família e – mais como hábito do que como convicção – à sua fé, frequentando os templos. Há uma frase de Disraeli, o poderoso e controvertido primeiro-ministro britânico, que deveria servir para a nossa meditação. O filho de judeus convertidos ao cristianismo atribuiu a grandeza da Inglaterra ao fato de que, naquele país, os homens de bem têm (ou tinham naquele tempo) tanta ousadia quanto os canalhas. Falta essa ousadia à maioria dos homens de bem no Brasil, além de informação mais honesta. Muitos dos que, hipocritamente, berram, no Senado e pela imprensa, suas virtudes, não podem ser considerados homens honrados: basta examinar a sua vida conhecida.

Devemos ver a ética como ato de inteligência, de sabedoria. O apodrecimento da política é, sobretudo, resultado de essencial idiotice. É sempre bom lembrar que idiota em grego significa egoísta. O egoísmo – antítese da solidariedade, da ética – conduz ao abandono de todos os cuidados no comportamento de alguns homens públicos. Tancredo costumava dizer que tudo começa quando o servidor do Estado usa o carro oficial para ir ao dentista, e encontra a desculpa de que, assim agindo, ganha tempo para a sua atividade pública.

Sem discutir a culpa específica de A ou B, nas irregularidades no Senado, não é só ali que se encontram os focos da enfermidade. Os deputados federais, que, no íntimo, se sentem felizes ao ver os vizinhos de parede-meia em sobressalto, fariam bem se examinassem os documentos internos de sua própria Casa. O Poder Judiciário agirá bem se usar com maior diligência os mecanismos de controle. Para nossa contrição – e somos chamados ao exame de consciência, desde que a nação inteira é responsável por seu destino – não há instituição que seja inteiramente cândida no Brasil. Esses desvios não se limitam ao Estado: nas atividades empresariais eles são ainda mais comuns, em prejuízo dos acionistas, dos trabalhadores, do Fisco e da sociedade.

O Parlamento que temos é resultado do balançar de ombros dos cidadãos, que vão às urnas de quatro em quatro anos, mas só se preocupam com a eleição do chefe do Poder Executivo. Não aprenderam, ainda, que, em uma república, não há mais soberanos, a não ser o povo, que o Parlamento deve representar. O povo, em sua razão política, é feito de cidadãos ativos, não de conformistas.

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